You are just like us
Slogan da Parada Gay, em Hamburgo “Não. Nós nunca seremos como vós. Cheios de salamaneques, teias de aranha no alto do carapuço e atrás das orelhas: criámos ferrugem nos sentimentos, calcificámos o coração. Inibimos e amachucamos gestos de carinho, mas facilmente vos apelidamos de maricas ou discutimos por causa de um café frio. Com gravata, sem gravata; com calção, sem calção; com músculo, sem músculo; com correia, sem correia: de lábios vermelhos, Hamburgo vestiu-se de amor e perfumou-se de ternura. As ruas pintaram-se de olhares brilhantes, abraços dados com o coração e dedos entrelaçados. O que vi em cada virar de esquina aqueceu-me o coração.” Este texto, escrevi-o, há 10 anos. Numa primeira leitura, dá-nos a entender uma mente aberta e de aceitação do outro, mas transmito, exatamente, o contrário: ao utilizar a palavra “maricas” assumo, tal como grande parte da população, que a homossexualidade é uma orientação sexual, exclusiva dos homens. E o não é. Ao longo do tempo a lei foi-se alterando e a palavra “homossexual” introduziu-se no vocabulário, da maioria das pessoas, sendo cada vez mais aceite, mas excluindo outras formas de orientação sexual, identidade sexual, sexo biológico e expressão de género. É do conhecimento comum que, a homossexualidade masculina, desde sempre, foi presente, mas calada no quotidiano das relações. Relativamente à mulher, salvo raras exceções, existe uma grande normalidade do abraço, do beijo, do sair juntas ou de dormir juntas… excluindo-as, como se já não bastasse, da forma de ser. Para a sociedade as mulheres são amigas. De contrário, ser-lhe-ão atribuídas frases e gestos muito mais gravosos, que impedem uma vivência mais aberta e mais feliz: “ os homens até entendo, mas o resto…”, como se alguém tivesse culpa por ser quem é. Em Hamburgo, ignorei, por completo, as letras garrafais que se faziam sentir, à época: LGBT+; apesar de “Invejar” cada imagem; olhando o homem que me acompanhava e que há muito não sabia percorrer um dos caminhos mais sagrados: o dos afetos (que no fundo não é mais do que sentir e fazer sentir). Quis tanto, naquele momento, um abraço; um afago; um beijo; de fazer sentir e sentir… carinho, afeto, gosto de ti… quis tanto poder, também, demonstrar a minha heterossexualidade. Pois… mais uma gafe. Ou não? A heterossexualidade compreende: cisgénero (o género presente no nascimento); transgénero (não se identifica com o género em que nasceu; “sou mulher mas nasci no corpo de um homem, ou vice-versa”); e, não binário ( não se identifica com nenhum género e não transita entre eles). Confesso que me perdi, nos milhares de nomes que denominam o tema e decidi apresentar este esquema, da (Enciclopédia Significados) que simplifica o nosso entendimento. Assim:
Pelo quadro apresentado, parece-me que a identidade de género, a orientação sexual e o sexo biológico não são questionáveis: existem. Existem, mas devem-se calar. O maior problema, o que coloca alguma divergência, é a expressão de género para a sociedade (podes ser, mas fica invisível). Este artigo, é escrito no seguimento de uma ocorrência numa sociedade masculina. Uma pessoa considerada, pelos seus pares, como homem (chamemos-lhe Júlio), pertencente a uma fração masculina, entrou no local das reuniões, vestido de mulher (chamemos-lhe Júlia), apresentou o cartão de cidadão para que a empresa/sociedade procedesse às devidas alterações. Ultrapassando o medo “do se o vizinho sabe”, apresentou-se verdadeira, retirando o capuz da mentira, do medo e da vergonha “de ser quem sou”. Vamos condenar a coragem de ser a primeira pessoa a levantar-se, dizer ou demonstrar que, há muito, vive incógnita na escuridão? A resposta a esta verdade, a este pequeno/grande passo, pode tornar-nos muito grandes; pode tornar-nos muito pequenos. A verdade é que o Mundo, na mentalidade das suas gentes, se divide em 2 frações: masculina e feminina (ou seja: homens e mulheres). O que significa que não conseguimos aceitar/antever a chegada de um colorido mais alargado e a necessitar de inclusão. Urge, por parte de todos um trabalhar, num esforço constante, para o nosso aperfeiçoamento numa área tão importante e delicada. Será que a alteração de uma letra e uma cruz no quadrado certo, são de vital importância, se a pessoa continua a ser a mesma? Júlio, já era Júlia antes de se assumir: nasceu Júlia no corpo do Júlio. Seremos os primeiros a incluir ou os primeiros a excluir? Será que o trabalho, da Júlia, é colocado em causa porque aprendeu o valor da “VERDADE”, Equidade, Liberdade, Igualdade e Fraternidade? Falemos da pessoa, o medo fê-la ocultar a sua transsexualidade (quem assim nasceu, sabe que a mente comum não é empática e pode ser muito violenta, na sua descoberta). A sociedade/empresa que o acolheu não a questionou relativamente a este assunto, nem faria sentido que o fizesse: Júlia iniciou a sua carreira como Júlio (de acordo com o seu sexo biológico). Júlia, numa primeira fase, não se percebeu; numa segunda fase, escondeu-se com medo, refletiu sobre as suas ações e na interação com o outro, sendo consciente que, as mesmas, são os alicerces fundamentais na construção do seu Eu e no reflexo com que deve impregnar o Mundo que nos rodeia; numa terceira fase, encarou a verdade (consciente de um penar maior).
Não sei que outra fase conseguiu ultrapassar, mas, certamente, evoluiu no conhecimento para que a sua verdade e que as suas pegadas impregnassem os que nos rodeiam. Demonstrou atitudes intentas em alterar, na sociedade, posturas menos corretas¸ na tentativa de consolidar uma sociedade perfeita e justa, com fundações profundas e seguras. Expôs, o que não devia ter que explicar, ao Mundo que se quer incluso, livre, fraterno, equitativo… definiu-se, apresentou a sua verdade, permitindo que os seus pares (minorias) encetassem, também eles, um caminho verdadeiro, respeitando-se a si próprios. Esquivou-se ao negrume da solidão, assumiu o seu
Eu e direcionou a sua vontade para propósitos úteis, fomentando a equidade social. Se for expulsa por ser verdadeira, a sua falta, no grupo a que pertence, deixará um buraco, que permitirá um ampliar de ideias contrárias às que defendemos; quebrarão a equidade, a igualdade, a fraternidade e a liberdade; amedrontará minorias que como ela gostariam de ser quem são, sem necessitar da capa que os esconde. O Mundo já não comporta, apenas, o masculino e o feminino. Que resposta vamos dar à Júlia? Quem terá de se alterar: o grupo a que pertence ou a Júlia? Relembro Rosa Parks que apesar de se encontrar sentada num lugar para negros, foi-lhe dada a ordem de se levantar porque um branco estava de pé. Não se levantou e foi presa, mas a partir desse dia, uma grande maioria de negros, negou sentar-se apenas nos lugares para negros e a levantar-se porque um branco estava de pé. Rosa Parks foi a primeira. Jesse Owens ganhou 4 medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Berlim, demonstrando que as cores não nos definem. Após o seu grande feito, os EUA fizeram um grande jantar em sua homenagem, Jesse foi obrigado a entrar pela porta dos fundos, que servia para os negros. Para existir mudança há que haver o primeiro que se levanta. Hoje, é o nosso dia.
Este meu artigo, não pretende ser uma resposta, mas um contributo para uma solução justa e perfeita que caminhe em liberdade, fraternidade igualdade e equidade, integrando os que ainda têm que colocar uma capa, para se proteger dos que o não sabem. Gostaria muito de saber: quem és tu para condenar a sexualidade de outro ser humano? Quem és tu para cultivar ideias tão contrárias ao amor, ao carinho, ao respeito e à Paz? E se fosses tu? Escondias-te ou apresentavas-te verdadeiro? E se for o teu filho ou a tua filha? Que farás? Quem és tu para limitar e intervir na vida do outro? Sem Sorrisos Guida Brito