sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Júlio ou Júlia?

 

                               You are just like us                                    

                  Slogan da Parada Gay, em Hamburgo                       “Não. Nós nunca seremos como vós. Cheios de salamaneques, teias de aranha no alto do carapuço e atrás das orelhas: criámos ferrugem nos sentimentos, calcificámos o coração. Inibimos e amachucamos gestos de carinho, mas facilmente vos apelidamos de maricas ou discutimos por causa de um café frio. Com gravata, sem gravata; com calção, sem calção; com músculo, sem músculo; com correia, sem correia: de lábios vermelhos, Hamburgo vestiu-se de amor e perfumou-se de ternura. As ruas pintaram-se de olhares brilhantes, abraços dados com o coração e dedos entrelaçados. O que vi em cada virar de esquina aqueceu-me o coração.”                                                                  Este texto, escrevi-o, há 10 anos. Numa primeira leitura, dá-nos a entender uma mente aberta e de aceitação do outro, mas transmito, exatamente, o contrário: ao utilizar a palavra “maricas” assumo, tal como grande parte da população, que a homossexualidade é uma orientação sexual,   exclusiva dos homens. E o não é. Ao longo do tempo a lei foi-se alterando e a palavra “homossexual” introduziu-se no vocabulário, da maioria das pessoas, sendo cada vez mais aceite, mas excluindo outras formas de orientação sexual, identidade sexual, sexo biológico e expressão de género.    É do conhecimento comum que, a homossexualidade masculina, desde sempre, foi presente, mas calada no quotidiano das relações. Relativamente à mulher, salvo raras exceções, existe uma grande normalidade do abraço, do beijo, do sair juntas ou de dormir juntas… excluindo-as, como se já não bastasse, da forma de ser. Para a sociedade as mulheres são amigas. De contrário, ser-lhe-ão atribuídas frases e gestos muito mais gravosos, que impedem uma vivência mais aberta e mais feliz: “ os homens até entendo, mas o resto…”, como se alguém tivesse culpa por ser quem é.  Em Hamburgo, ignorei, por completo, as letras  garrafais que se faziam sentir, à época: LGBT+; apesar de “Invejar” cada imagem; olhando o homem que me acompanhava e que há muito não sabia percorrer um dos caminhos mais sagrados: o dos afetos (que no fundo não é mais do que sentir e fazer sentir). Quis tanto, naquele momento, um abraço; um afago; um beijo; de fazer sentir e sentir… carinho, afeto, gosto de ti… quis tanto poder, também, demonstrar a minha   heterossexualidade.  Pois… mais uma gafe. Ou não?  A heterossexualidade compreende: cisgénero (o género presente no nascimento); transgénero (não se identifica com o género em que nasceu; “sou mulher mas nasci no corpo de um homem, ou vice-versa”); e, não binário ( não se identifica com nenhum género e não transita entre eles).  Confesso que me perdi, nos milhares de nomes que denominam o tema e decidi apresentar este esquema, da (Enciclopédia Significados)     que simplifica o nosso entendimento. Assim: 

Pelo quadro apresentado, parece-me que a identidade de género,  a orientação sexual e o sexo biológico não são questionáveis: existem. Existem, mas devem-se calar. O maior problema, o que  coloca alguma divergência, é a expressão de género para a sociedade (podes ser, mas fica invisível).  Este artigo, é escrito no seguimento de uma ocorrência numa sociedade masculina. Uma pessoa considerada, pelos seus pares, como homem (chamemos-lhe Júlio), pertencente a uma fração masculina, entrou no local das reuniões, vestido de mulher (chamemos-lhe Júlia), apresentou o cartão de cidadão   para que a empresa/sociedade procedesse às devidas alterações. Ultrapassando o medo “do se o vizinho sabe”, apresentou-se   verdadeira, retirando o capuz da mentira, do medo e da vergonha  “de ser quem sou”. Vamos condenar a coragem de ser a primeira pessoa a levantar-se, dizer ou demonstrar que, há muito, vive incógnita na escuridão? A resposta a esta verdade, a este pequeno/grande passo, pode tornar-nos muito grandes; pode tornar-nos muito pequenos. A verdade é que o Mundo, na mentalidade das suas gentes, se divide em 2 frações: masculina e feminina (ou seja: homens e mulheres). O que significa que não conseguimos aceitar/antever a chegada de um colorido mais alargado e a necessitar de inclusão. Urge, por parte de todos um trabalhar, num esforço constante, para o nosso aperfeiçoamento numa área tão importante e delicada.       Será que a alteração de uma letra e uma cruz no quadrado certo, são de vital importância, se a pessoa continua a ser a mesma? Júlio, já era Júlia antes de se assumir: nasceu Júlia no corpo do Júlio. Seremos os primeiros a incluir ou os primeiros a excluir? Será que o  trabalho, da Júlia, é colocado em causa porque aprendeu o valor da “VERDADE”, Equidade, Liberdade, Igualdade e Fraternidade? Falemos da pessoa, o medo fê-la ocultar a sua transsexualidade (quem assim nasceu, sabe que a mente comum não é empática e pode ser muito violenta, na sua descoberta). A sociedade/empresa que o acolheu não a questionou relativamente a este assunto, nem faria sentido que o fizesse: Júlia iniciou a sua carreira como Júlio (de acordo com o seu sexo biológico). Júlia, numa primeira fase, não se percebeu; numa segunda fase, escondeu-se com medo,   refletiu sobre as suas ações e na interação com o outro, sendo consciente que, as mesmas, são os alicerces fundamentais na construção do seu Eu e  no reflexo com que deve impregnar o Mundo que nos rodeia; numa terceira fase, encarou a verdade (consciente de um penar maior). 

Não sei que outra fase conseguiu ultrapassar, mas, certamente, evoluiu no conhecimento para que a sua verdade e que as suas pegadas impregnassem os que nos rodeiam. Demonstrou atitudes intentas em alterar, na sociedade, posturas menos corretas¸   na tentativa de consolidar uma sociedade perfeita e justa, com fundações profundas e seguras. Expôs, o que não devia ter que explicar, ao Mundo que se quer incluso, livre, fraterno, equitativo…   definiu-se, apresentou a sua verdade, permitindo que os seus pares (minorias) encetassem, também eles, um  caminho verdadeiro, respeitando-se a si próprios.  Esquivou-se ao negrume da solidão, assumiu o seu

Eu e direcionou a sua vontade para propósitos úteis, fomentando a equidade social. Se for expulsa por ser verdadeira, a sua falta, no grupo a que pertence, deixará um buraco, que permitirá um ampliar de ideias contrárias às que defendemos; quebrarão a equidade, a igualdade, a fraternidade e a liberdade; amedrontará minorias que como ela gostariam de ser quem são, sem necessitar da capa que os esconde.  O Mundo já não comporta, apenas, o masculino e o feminino. Que resposta vamos dar à Júlia? Quem terá de se alterar: o grupo a que pertence ou a Júlia? Relembro Rosa Parks que apesar de se encontrar sentada num lugar para negros, foi-lhe dada a ordem de se levantar porque um branco estava de pé. Não se levantou e foi presa, mas a partir desse dia, uma grande maioria de negros, negou sentar-se apenas nos lugares para negros e a levantar-se porque um branco estava de pé.  Rosa Parks foi a primeira.                                                Jesse  Owens   ganhou 4 medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Berlim, demonstrando que as cores não nos definem. Após o seu grande feito, os EUA fizeram um grande jantar em sua homenagem, Jesse foi obrigado a entrar pela porta dos fundos, que servia para os negros. Para existir mudança há que haver o primeiro   que se levanta.  Hoje, é o nosso dia.

 Este meu artigo, não pretende ser uma resposta, mas um contributo  para uma solução justa e perfeita que caminhe em liberdade, fraternidade igualdade e equidade, integrando os que ainda têm que colocar uma capa, para se proteger dos que o não sabem.   Gostaria muito de saber:  quem és tu   para condenar a sexualidade de outro ser humano? Quem és tu para cultivar ideias tão contrárias ao amor, ao carinho, ao respeito e à Paz? E se fosses tu?  Escondias-te ou apresentavas-te verdadeiro? E se for o teu filho ou a tua filha? Que farás? Quem és tu para limitar e intervir na vida do outro?                                                                                                                                              Sem Sorrisos                                                                                    Guida Brito