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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Educação: a casa de banho

Com sorrisos - Guida Brito - Navegantes de Ideias

O  Ministério da Educação deu orientações às escolas públicas e privadas para que adaptem casas de banho e balneários para alunos transgénero.






Lembrei-me do Manel (estória verídica, nome fictício). O Manel vertia águas por todo o lado, não percebia muito bem a necessidade de uma casinha para fazer o que pertence à natureza e a necessidade do rótulo “é menino” ou “é menina”. Para ele eram todos crianças e brincavam juntos numa euforia do cada um ocupa a função que melhor desempenha. Dava-lhe vontade e regava no não está ninguém a ver, pelos cantos e recantos do recreio. Decidi intervir e ensinar o periquito a frequentar o sítio comummente aceite para a “rega das flores”. Ao raiar do toque para o vou brincar, o Manelito saía num cruzar de pernas que evidenciava o sei o que vais fazer; eu ,sorrateira, perseguia-o e  lembrava-o do lugar adequado para o efeito. Ele, aflito em última instância, gaguejava:


- Quuuuuallllllllllll?
- A dos rapazes.
-Ahhhhh??? – respondia-me no quase que faço nas calças. O Manuel não distinguia os símbolos e as palavras escritas ainda não eram sua pertença.
- A da direita – atirava-lhe já nos momentos iniciais da satisfação das necessidades básicas.

Volta não volta, a gritaria indicava que o moçoilo tinha entrado na da esquerda.



Num regresso ao local da ocorrência, eu era rodeada por meninas chocadas: “O Manel mijou na casa de banho das raparigas”. Eram tantas as vozes e a confusão que decidi interromper os meus ensinamentos ao rapaz – até que uma estratégia inovadora e serena me assolasse à “lembradura”.

Passados dois dias, nova gritaria, alta e perplexa, interrompeu os mapas e a papelada atrasada: “O MANEL MIJOU NA RUA”. Lá me dirigi ao local para me inteirar do facto sucedido. Era tanta a confusão que – confesso - demorei algum tempo até conseguir dialogar com a pequenada.

- Não percebo a vossa indignação. Onde querem que mi.. que o Manel satisfaça as suas necessidades básicas? - Atirei a modos do vamos ver como isto se resolve.
 - Na casa de banho – respingaram todos ao mesmo tempo.
- Na casa de banho? Então? Todos gritavam assim que o Manel a usava. Ele tem que efetuar a necessidade em algum lugar.
- Na dos rapazes. Ele ia à das raparigas.
- Pois, tendes razão. Acontece que o Vosso Amigo não reconhece símbolos, não sabe ler e só sabe qual é a mão direita quando tem uma pedra na mão. Resolvam! Eu não quero é mais gritaria e quero que o Manel mi…. sossegado.




E saí dali com o coração a tremelicar – sem saber se tinha resolvido ou complicado. Com um “olho no recreio e outro nos mapas e papelada” observei as movimentações: sorri, o diálogo entre eles decorria no caminho certo.



A partir desse dia, um grupo de rapazes e raparigas (diria toda a escola) levava o Manuel à casa de banho com o rótulo Menino. Entravam todos na mesma casa de banho e ensinavam-no a lavar as mãos - depois da mijinha efetuada no sítio certo. O Manel aprendeu e deixou de precisar dos amigos; no entanto, volta e meia ia uma menina à casa de banho dos rapazes: “Manel, já lavaste as mãos?”
Se isso não ocorresse, o Manel ia à casa de banho das raparigas informar que tinha lavado as mãos.
A partir desse dia soube-se o respeito pelo outro. Não era uma questão de local onde satisfazer o que é básico mas a aprendizagem de saber estar e saber estar com o outro. E esta é a lição, para lá de rótulos e casas de banho, que eu espero que os meus alunos aprendam: saber estar, saber ser.

Com tantas orientações políticas sobre o local da rega que cada um deve frequentar, apraz-me perguntar: afinal, para que serve uma casa de banho? Não é para satisfazer as necessidades básicas e deixar limpo (saber estar, saber ser: respeitar, colaborar e ajudar) o local? E, para satisfazer necessidades tão básicas e comuns, são necessários rótulos e rótulos e rótulos? Vamos colocar na testa dos moços e das moçoilas “sou menina”, “sou menino”, “sou menino mas nasci no corpo errado”, “sou menina mas nasci no corpo errado”, “ainda não sei o que sou”, “sou o que sou”, “pareço mas não sou”, “sou mas não devia ser”, “vou ao que não sou para que não saibam o que sou” só porque necessitam mi%$#? Não vamos colocar mais divisões e menos respeito? Rotular é respeitar? O respeito pelo outro aprende-se no convívio e não no apartheid.




Imaginem o meu querido Manel a ter que aprender tanto Sou e a ter que explicar, à mãe e ao pai, a casa de banho que frequentou na escola… shiiiii! Minha Santa Barbatana!

Imaginem, ainda, o final do dia na escola; uma fila de encarregados de educação pergunta a uma só voz: “Professora, onde mijou o meu filho?” Bem, os mais coerentes marcarão reunião; primeira pergunta: onde mijou o meu filho, na segunda-feira? Segunda pergunta: e na sexta-feira? Posso saber o local da quinta-feira?

 E os muitos recados que chegarão?



Para mim, em minha opinião e para minha felicidade, era muito mais importante que houvesse papel higiénico e sabão nas escolas. Se houvesse, estou certa que os cadernos e os livros andavam muito mais limpinhos e melhor cheirosos. Mas isto sou eu a pensar, cada um lá saberá onde pretende mijar (ou não). :)


Sem vontade mas com sorrisos
Guida Brito