Não havia esgotos nem wcs: era no
lado detrás do chaparro, do muro ou de uma simples oliveira que o alívio
espreitava entre sorrisos “Já fiz. Podes vir”. Não havia jornais e a erva nem
sempre crescia ali- sejamos honestos. Os índios, os cowboys, a macaca, o
caracol, o pião, a corda, a bruxa ou o Tarzan eram pertença dos pequenos
saltimbancos da rua. Em ruas não alcatroadas, descalços e coloridos de medalhas
( renovadas à segunda-feira, após o mergulho de domingo nas cálidas águas
aquecidas, à lareira, e depositadas num velho alguidar) éramos cuidadosamente
zelados pela aldeia:
- Sai daí. Olha que apanhas.
Ali, nas ruas, onde nem sequer
havia calçada, aprendemos: a baixar os olhos num ato de reconhecimento de
culpa; a perder os dentes em defesa de uma amigo ou a descer a ladeira sem
travões; a abraçar; a chorar; a rir; a cair; a levantar… Fomos, talvez, os últimos
saltimbancos a crescer no luxo que é a ausência até da pedra calcetada. Num
mundo que se alterou tão drasticamente, não sei onde nos perdemos mas cada vez
mais é notório o esconder e o abrilhantar (de forma errónea) as origens: o embrulhar o “Eu” adornando-o com meia dúzia
de laços luzidios de origem duvidosa. Num mundo de selfies, facebook,
instangram… partilhamos e sobrevalorizamos um “Eu” egoísta mascarado de
perfeição, sucesso ou vitória. E não somos, não somos nada do que partilhamos:
todos “cag amos” e “cag ámos” atrás do muro. Nem eu sou só sorrisos, loucura e
fadas nem vós só sucesso e perfeição. Somos dor; somos bem-estar; somos
sorrisos; somos choro; somos dúvida; somos certeza; somos amor; somos ódio;
somos lembrados; somos esquecidos; somos alegria; somos tristeza; somos
sucesso; somos fracasso; somos bons; somos maus; somos humanos. Em cada um de
nós existe um pouco de tudo. O que nos define é o que usamos maioritariamente
na interação com o próximo, com o amigo e até com o inimigo. O que nos define é
o que usamos em momentos não programados.
A queda da justiça, a
incapacidade do sistema de saúde, uma escola entrouxada de exigência (onde o
saber se apresenta sempre como insuficiente), empregos a tempo inteiro
encaixotaram-nos em solidão. E na lacuna do contato com o próximo,
o facebook, o instangram e outras aplicações surgem à distância de um clique,
no facilitismo da poltrona da sala ou da mesa do café. Num mundo sem cheiro nem
som ou tato é fácil esconder as rugas. É fácil ser rei ou rainha; é fácil ser bom ou
ter sucesso mas também é fácil magoar; denegrir ou humilhar. Se por um lado
estas aplicações preenchem lacunas, por outro encurralam-nos no “não preciso
ser; basta mostrar”.
Eu tenho saudades de um bom empurrão;
do calor de um bom abraço. Tenho saudades do limpar, com a mão, a lágrima de um
amigo; de sentir a tua mão que enxuga a minha. Tenho saudades da tua mão no meu
cabelo; saudades da minha no teu. Eu tenho saudades do cheiro, do som, do toque
da tua pele e do “Já fiz, podes vir”.
Eu tenho saudades. E vocês?
Sorrisos
Guida Brito
Excelente.
ResponderEliminarObrigada, Helena. Beijinho.
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