Fascinam-me os coloridos das fachadas e das gentes. Durante o Festival de Músicas do Mundo, Sines veste-se de uma diversidade apelativa ao olhar- é impossível resistir ao charme e à luz da cidade.
Geraldos- com toda a certeza: aqui nasceu
Portugal. Embora os historiadores de discordem e cada um puxe o rabo à sua
sardinha, não existem dúvidas. Contado de boca em boca, o património oral confirma-o.
E, numa época em que não existiam aviões, comboios ou meios locomotivos de
transporte rápido, pergunto: se o D. Afonso Henriques andava muito a sul
(sonhando e combatendo a ampliação do condado) como iria realizar a Batalha de
Ourique a norte? Não faria sentido. Seja como for, este local é mítico:
deixe-se encantar.
Lá prós lados
de Castro Verde, existe um pequeno povoado… Não; lá prós lados de Castro Verde
existe um Monte- sendo que Monte é menos que aldeia; pode englobar uma ou
muitas casas; isola-se de tudo e ninguém os percebe muito bem- os Montes resistem
aos tempos que o tempo é tudo o que têm.
O que Vos vou falar, conheço muito bem:
foi a terra que me viu nascer, no tempo em que pertencia à parteira a tarefa de
nos fazer vir ao mundo.
Contrariamente à maioria, não se situa num sítio alto,
nem próximo da corrente de água (ribeira). Afastou-se da normalidade e é numa
quase cova, ou cerro muito baixo, que o podemos encontrar; embora apresente
algumas ladeiras. Dista 3,5 km de Castro Verde; tem 169 habitantes e perdeu-se
no tempo; num tempo que o mantém. Não encontrei estudos que revelassem onde
obtêm o sustento os seus habitantes. A maioria, penso eu, é reformada e cuida
das lides de casa e da rua: dois dedos de conversa para perguntar à vizinha se
está bem. É lindo. Nunca, por lá, vi turistas ou curiosos. Quem lá vai, vai com
algum intento. É, no entanto, um lugar surreal que faz parte do Alentejo que
não é litoral.
Comecemos pelo nome: Geraldos. Não, leu mal. Escreve-se com e e lê-se com i. Já não me lembro a lenda que o meu avô me contava e que
justificava a exceção à Língua Portuguesa. Lembro-me de outras, contadas à
lareira enquanto comia as duras coidinhas-
religiosamente, para mim ,guardadas na gaveta da mesa da cozinha; por vezes, eram
as bolotas assadas as companheiras de estórias.
Contava o
meu avô que aqui começou Portugal, em 25 de julho de 1143. Uma História contada
de boca em boca e que aprendeu por via oral.
Quando D.
Afonso Henriques aqui chegou, numa tentativa de conquistar território aos
Mouros, assentou praças no Cerro do Covão. Na calada da noite, um seu
mensageiro descobriu serem cinco os reis Mouros e muitos os que lhe eram fiéis-
eram tantos que seria impensável um ataque dos diminutos homens daquele que um
dia seria rei. Grande Homem, o Nosso D. Afonso Henriques mandou que cada guerreiro, seu, acendesse sete fogueiras. Os Mouros tiveram medo da imensidão de gentes, que
pensaram, e não atacaram. Em modo surpresa, numa noite bem escura: dormiam os mouros
quando Afonso Henriques se decidiu pela conquista imediata. Rolaram tantas cabeças e tanto sangue escorreu
que, durante três dias, vermelha era a cor da ribeira. Foi na descida do Cerro de S. Pedro das Cabeças que apareceu, ao Nosso futuro rei, Jesus
Cristo feliz com a conquista; contou-lhe que ali começaria Portugal. D. Afonso
Henriques, cansado e extenuado, desceu do seu cavalo branco, ajoelhou-se e
jurou mandar construir uma capela; num reconhecimento ao que, de facto, aconteceu. E os montes de Ourique (a povoação mais próxima da época) foram
palco do começo do Mui Nobre
Portugal.
Este mui belo povoado continua perdido no tempo: reina a paz. Alentejo não é Litoral (embora também o seja); Alentejo é
uma imensidão de ser na sua profundeza. A sua beleza; as mãos que inventam; as
mentes que sabem; as folgas; os jantares que se consomem ao almoço; as
histórias; as gentes; a calma; os enchidos; as acelgas; as beldroegas; as
tangarinhas, as açordas; as vinagradas; as atubras… justificam um desvio ou o
ir com desígnio: ao chegar a Castro Verde, vire em direção a Mértola; e, logo
ali à frente, desvia-se para São Pedro das Cabeças.
Aconselho
um passeio a pé pelo Monte e pelas terras que o rodeiam.
Se for atento, pode
por ali encontrar muitos vestígios do passado: ocupação romana e muçulmana.
Peça orientação a um dos seus habitantes para visitar a Fonte Santa. Suba ao
alto de S. Pedro das cabeças: a capela é linda e a vista o coração alcança.
Observe o rochedo (infelizmente, agora privado e sem acesso ao público) que guarda em si as
provas da estadia de D. Afonso Henriques por estas paragens: nele encontra-se
gravado a pata do cavalo do rei, o prato, o guardanapo e os talheres. Respire fundo e sinta a
magia; está num lugar mítico: aqui nasceu Portugal- assim o conta o património oral. Procure na encosta fósseis de plantas (abundam).
Desça o Monte e passeie a pé pela ribeira de Cobres- lugar de antigas pescarias
e de romaria quando a velha ponte fica submersa.
Garanto: a viagem vale muito a pena. Fique com as fotos de um lugar
mágico- foi aqui que começou Portugal, assim o conta o património oral.
Pois é, há poças na marginal e eu não lhes resisto. Volta e meia e ando por ali. Amanhã começam as Tasquinhas (festa gastronómica) e só falta saber a que horas lavam a rua: quero duplicar o castelo. Tenho algumas fotos com a sua duplicação na água da rotunda mas quero-o mais perto e isolado. Hei de (não é erro; é a nova grafia, shiiii... digam vocês) conseguir. Tenho algumas ideias mas cortaram-me a água onde provavelmente o conseguia. Partilho convosco as fotos de hoje.
Penso que responde por Iquie- ainda não consegui perceber as letras da sua identidade. Habitante de Sines, não nutre especial adoração por mim: ama os meus calcanhares que não retribuem tão nobre sentimento. Tem medo de gatos e é do sexo masculino. Se é simpático, não o sabemos: inibido em demonstrar atos ou expressões de alegria. Não se lhe conhece amores ou desamores mas marca insistentemente todos os territórios. Provavelmente, é uma alma solitária; ou talvez não. Hoje, cacei-o com a objetiva. Conhece-o?
Sines é uma cidade lindíssima e tem sempre uma pocinha para fotografar. O meu sonho é conseguir fotografar o castelo numa poça: lá chegarei. Por ora, fico feliz com apanhados impensáveis. Não é fácil fotografar a arriba em duplicado: isto foi o melhor que consegui. Não é o que sonho mas dá para sorrir.
Sou mundialmente conhecida (penso eu) pela necessidade de bebericar um café pela manhã. Não sei o motivo mas sei que todos gostam de ver esta minha pequena (grande) necessidade satisfeita. Um café imediato ao levantar da pestana e: o meu herdeiro de ADN agradece; os vizinhos respiram; o bairro sorri; em Sines o Sol brilha e os céus pintam-se de alegria. Eu? Se bebo café: sorrio; se o não bebo: o mundo desmorona contrariamente ao devagarinho.
Este filme ajusta-se, na perfeição, ao meu perfil de funcionamento no raiar do primeiro olhar.