Andava meio agastada, sem poder dar luz aos meus sonhos: veio o covid, chegaram contas, ultrapassaram-me o excesso do resolve-me… e viajar? Nem um pequeno vislumbre. Mas assim do nada e sem saber como, esvaziam-se 11 ou 12 dias. Boa! Porreiro! Abro o computador e reservei a primeira viagem que vi: a última vaga, num grupo de 12 desconhecidos e como guia um tal de Tiago Brandão. Quando li com atenção descobri que faria o Expresso do Oriente, de Viena até Istambul. A partida estava iminente, atirei umas roupitas para a mochila, separei dinheiros, cartões de crédito, cartão de cidadão, passaporte… prontinha para sair.
Ouvi o som da porta a fechar-se atrás de mim e…não. Não, Guida. Já
tens idade para te conheceres: volta
atrás e confere se o cartão de cidadão está na mochila. Bem pensado; bem feito:
voltei atrás e abri a mochila. Fiquei feliz, continha tudo o que necessitava. Esqueci
o passaporte no fundo e juntei cartões e dinheiro numa só carteira. Arrumei a
mochila e saí feliz: pela primeira vez, não faltava nada.
Enquanto todos dormiam, percorri os quilómetros que me separavam
do aeroporto; feliz e contente, parei na primeira portagem e procuro a carteira
para fazer face ao pagamento… procuro, procuro, procuro… e valha-me tudo o que
é sagrado e a Minha Santa Barbatana.
A carteira, com a identificação e todos os
meios de pagamento, ficara sobre a cama. Comigo tinha 0 euros, 0 formas de pagar
o que quer que fosse.
Confesso que nem ouvi as dezenas de buzinadelas dos que não têm
tempo para alentejanas; desta vez, nem um beijinho lhes mandei.
- Estou com 0 euros e sem cartões para lhe pagar. – Referi à impaciente
senhora das portagens.
- Não faz mal; dou-lhe uma referência e paga por multibanco.
Pequei no papelinho e pensei: “para que quero isto se não tenho
multibanco e vou a caminho da Ásia?”
Bem… já que me deixam passar e não posso voltar para trás, sigo em
frente e veremos o que sucede na Ponte 25 de Abril.
Pelo caminho, pensei que “não ir” estava fora de questão, mas a
solução encontrava-se a 150 km de distância.
Na Ponte 25 de Abril, atiram-me com um papelinho; confesso que nem
o li: deixaram-me passar, sem dinheiro, e isso era “ouro sobre azul”.
Bem… o caminho é em frente. Nunca havia viajado nestas condições e
os pensamentos ultrapassavam-se a mil à hora; respirei fundo e contei até 10. O
passaporte está comigo, a viagem e o alojamento estão pagos, não há dinheiro
para comer e beber. Mendigo?
Calminha, pensei que o pior que me podia acontecer era ser
repatriada por não ter meios para me sustentar; enquanto isso vou e volto e
visito os aeroportos. Vamos em frente.
No aeroporto, ao entregar o carro no parking, achei o preço
demasiado elevado… oh! Guida! Tu não tens dinheiro! Caro ou barato não é um
problema de força maior.
Perguntei ao simpático senhor se o pagamento era
efetuado no ato da entrega ou no ato de levantamento.
- Paga quando chegar da sua viagem.
- Ufa! Que bom! Não tenho dinheiro para lhe pagar agora… e, pensando
bem, não terei dinheiro quando voltar.
Ele sorriu como quem ouve uma graça, pegou no carro e partiu.
Pois, diziam os meus botões: o problema é teu, foste avisado.
Passei por todos os controlos, ninguém questionou a falta de
dinheiro; nem quando todo o conteúdo da mochila se espalhou pelo chão e
maquinaria. Um grupo de guardas fronteiriços, interrompeu os trabalhos e ajudou
a reunir a maioria dos meus pertences (ignorei os cotonetes e o que nem vendido
dá uns bons trocos). Agradeci e segui rumo à porta de embarque.
Chegou a hora de me apresentar ao grupo, via Whatsap. Que bom!
Ainda não me conhecem e já lhes vou pedir dinheiro.
“Bom dia, estou com um problema. Deixei todo o dinheiro e cartões
em casa.”
Silêncio total de todos os que me liam. Pudera! Que rica
apresentação!
Não desisto e escrevo mais uma mensagem: “Será que posso
transferir dinheiro para a conta de alguém?” (o meu filho, que não dormia preocupado
com a mãe que conhecia tão bem, podia fazer isso).
Silêncio. A situação era tão estranha que mais parecia uma burla. Penso
que me tornei na pessoa com a qual ninguém quer qualquer tipo de contacto.
Tentando criar confiança e demonstrar que, inevitavelmente, sou a vítima
perfeita de situações “non sense”; escrevi: “Sei que parece estranho, mas sou
alentejana. Vou arriscar e vou para Viena sem um tostão no bolso. Ao chegar,
espero que o Tiago possa ajudar.”
Do lado lá, alguém pensava: “Se ela tem um amigo Tiago porque é
que ele não a ajuda?” Talvez mais curiosa do que convencida, decide quebrar o
eterno silêncio e responde-me.
Rapidamente, nos encontrámos e ela percebe
que de facto estou numa situação única e inexplicável.
- Quanto precisas?
- Mil euros.
- Mil euros?!!!!! Para que queres tanto dinheiro?
A coisa afinou e o dinheiro cada vez mais longe. Com calma, ponderei,
convenci e aceitei os 400 euros que o Rui transferiu no imediato. Nenhum de
vós, consegue imaginar a sensação que nos assola nestes momentos. Embora a
minha condição financeira continuasse precária: podia comer e beber.
Chegámos a Viena e lá estava o nosso divinal guia.
- Tiago, eu…
- Tiago??? Eu não sou Tiago, sou o Mateus Brandão.
Ui! Ai! Minha Santa Barbatana, terei trocado a viagem? Será este o
meu grupo???!!!
Não (ufa), apenas trocara o nome do guia.
- Mateus, preciso de dinheiro – apresentei-me.
O Rui ia transferindo dinheiro, pagando as contas da mãe, e cinco
dias depois era a mais rica do grupo. Emprestava e recebia sem qualquer
controle ou resistência: “Precisas? Toma lá!”
No último dia de viagem, encontrei dinheiro nas ruas de Istambul; até
na Ásia sabiam que eu precisava de dinheiro. Regressei a casa, rica e com o
sorriso de quem vivenciou um dos mais insólitos acontecimentos.
(À Fabi e ao Mateus um Xi coração muito especial e a certeza que
encontraram uma amiga para a vida)
Com sorrisos;
Guida Brito