Relembro, com saudade, a minha infância; na sua simplicidade:
do não tenho nada, mas tenho tudo. A convivência cúmplice com a Natureza,
refletia-se no meu olhar e na pureza do meu sorriso. Vivia dos recursos da Mãe
Natureza, com total respeito pela sua existência. Lá em casa, sem contar o
Jolie (um cão inexplicável), éramos 4 e dormíamos no único quarto, em duas
camas: o mano dormia com o pai e eu com a mãe. A cozinha tinha dois metros
quadrados e o restante espaço estava equipado com a mercearia e a taberna. Os
produtos comprados eram embrulhados em papel manteiga (no qual, se efetuavam os
cálculos) ou colocados, diretamente, nos
talegos do cliente.
Nessa época, chamavam-nos país subdesenvolvido. Já em tenra
idade questionava essa palavra (assim como outras). Lembro-me de ser eu, um eu
solitário: não conseguia duvidar do que sentia, do que pensava e que tanto
distava dos que me rodeavam. Em dias de excelência, caminhávamos ao encontro da
ribeira, na qual obtínhamos tudo o que necessitávamos: lavávamos a roupa, com
sabão azul, que regressava a casa meticulosamente dobradinha e divinalmente
cheirosa; ali, na ribeira, tinha lugar o tradicional banho semanal; o pai
apanhava o peixe para o jantar; a mãe, enquanto as roupas secavam, recolhia as
ervas que o aromatizavam. Se o dia se rasgava em sorriso, a noite… a noite
adormecia em puro deleite. Completamente para lá da minha existência, em
transe, deitava-me na cama de colchão de lã de ovelha, bem afofadinho, adornado
pelos lençóis lavados na água da ribeira. O seu cheiro impregnava-me os
sentidos e garantiam uma noite bem dormida.
Num uso correto, a ribeira, a flora, a fauna… seguiam o seu
caminho e, rapidamente, recompunham-se, renovando-se em vida rejuvenescida.
Sempre soube que aquele correto, era, normalmente, nomeado
como pobreza.
Hoje, não há vida nem banhos na ribeira; as noites são
corriqueiras, enjoadas pelos produtos que contaminam o que nos é vital e tentam
imitar a doçura do inigualável: Cheiro da ribeira.
Quando caminhámos, a passos que se queriam largos e rápidos
(pura ganância e excesso do que tanto sobeja e já não sei onde colocar), na
rota do desenvolvimento e em nome da economia, quebrámos o elo com a mãe
Natureza e, cada vez mais, a velocidades inimagináveis, destruímos tudo o que é
inimitável para a sobrevivência dos seres vivos.
Hoje, constatando a crescente influência das ações humanas,
insustentáveis para a biodiversidade, é de extrema urgência: intensificarmos os
esforços de conservação, para revertermos os impactos ecológicos negativos e
evitar a extinção da vida (tal como a conhecemos) no planeta terra. Para isso,
é necessário a conscientização da necessidade de agir, de legislar e desenvolver
ferramentas que permitam lidar, de forma eficaz, com as questões ambientais.
Em primeiro lugar, devemos entender a biodiversidade: não só
como a grande variedade de formas de vida (animais e vegetais) que são
encontradas nos mais variados ambientes e a sua interação; mas também a diversidade
genética que cada indivíduo transporta no ADN. Nesse contexto, seres da mesma
espécie podem ser imunes a determinadas doenças que para outros são fatais. Se
pensarmos no Alentejo, é fácil perceber que estamos a escassas unidades de
tempo da desertificação total; as culturas hiperintensivas ocupam milhares de
quilómetros quadrados, tendem à exploração
exorbitante do território e dos seus recursos. O mais problemático, é o
facto de todas as plantas serem clonadas; ou seja, não existe variedade
genética nos indivíduos da mesma espécie; perante qualquer fungo ou doença que
atinja um indivíduo, fará com que todos os indivíduos morram; deixando milhares
de quilómetros quadrados sem qualquer tipo de vida; após a sobeja
utilização de químicos, na tentativa de
travar a caminhada da doença, que poluem os solos e as reservas de água nos
lençóis freáticos.
Aliado à clonagem, deparamo-nos, além de outros, com dois
problemas que são igualmente amigos da desertificação do planeta: os fertilizantes
utilizados nestas culturas e o plástico.
Os fertilizantes são usados em excessiva abundância,
escorrendo para os cursos de água e para os oceanos; permitindo, além da
ocorrência de doenças graves nos seres vivos (por contacto direto), a morte por
falta de oxigénio. Devemos pensar no que ocorre numa grande zona do Oceano Pacífico:
o excessivo uso de fertilizantes, ditou a fácil reprodução do fitoplâncton, de
forma absurda. Na busca de alimento fácil ocorreram, a essa zona, demasiados seres vivos que o
consomem e, por consequência, os seus predadores. O aumento brutal de
indivíduos, na mesma zona, esgotou o oxigénio e ditou a morte de todos os seres
vivos presentes. O mesmo ocorre nos
rios, ribeiras, lagos…
O plástico, uma substância não-natural, resultou de pesquisas e experiências químicas;
surgiu com a finalidade de substituir outros recursos que já estavam a tornar-se
escassos na natureza, ou inviabilizaram a produção em escala industrial.
O plástico substituiu com vantagens uma série de
matérias-primas utilizadas pelo homem há milhares de anos, como o vidro, a madeira,
o algodão, a celulose e os metais.
Hoje, o plástico é indispensável para a evolução de qualquer
segmento e para a economia dos países.
Não consigo esquecer a minha visita ao Nepal: milhares e
milhares de sacos, cheios de plástico, formam muros e amontoados, difíceis de
entender pela sua dimensão. Além disso, são as fogueiras de plástico que aquecem, os que vivem numa pobreza
dolorosa, e lhes permitem realizar algumas refeições.
Na Somália, os vendedores de rua pagam 50 dólares por cada
saco de roupa, gentilmente doados, principalmente, pelo povo americano. Basta
olhar as diferenças corporais, dos habitantes dos dois países, para perceber
que a Somália recebe lixo - que poluí o seu país e é responsável por graves
reflexos na biodiversidade. Um povo é fruto do excesso alimentar e o outro
fruto da carência alimentar.
Todo o plástico que já foi produzido, continua presente no
Planeta, a grande maioria transformou-se em microplásticos que, ao entrarem na
cadeia alimentar, ameaçam, gravemente, a vida marinha e os seus predadores.
Como não é digerido, fica retido nos organismos e os indivíduos sucumbem por
fome.
A pressão industrial sobre os governos, ditou a resolução,
deste gigantesco problema, para o consumidor final: os 3R’s (reduzir,
reutilizar e reciclar). Algum de vós pensa que esta é uma medida suficiente, que
irá diminuir a quantidade inimaginável de plástico, no nosso planeta? O
plástico continua a ser produzido a uma velocidade astronómica. Será que a
política dos 3R’s é suficiente para exterminar este produto? Não me parece. As
medidas apropriadas têm que reeducar todos os governos, toda a indústria e todos
os consumidores.
Eu, Guida Brito, mesmo que carregue com cestinho ou
talego para comprar os “não tenho plástico”, olho em redor, em qualquer loja ou
hipermercado, e não encontro produtos isentos de plástico.
Haverá solução para reverter os efeitos nefastos da forma de
agir dos seres humanos? Sim. Há. Temos, no Mundo, alguns bons exemplos de que é
possível retroceder o que se advinha inevitável.
Estaremos nós (seres humanos, indústria, governos…) prontos
para abdicar da nossa dependência do consumismo e do facilitismo? Não podemos
esquecer que estamos a viver a crédito; por exemplo: o Luxemburgo, no dia 24 de
fevereiro (de cada ano) já esgotou todos os seus recursos naturais, vitais para
a existência de vida; a Europa esgota-os a 4 de maio; os Norte-americanos a 15
de março; os países das “Arabias”, ao imitar, no deserto, a flora dos países
tropicais, esgotam os seus recursos nos primeiros dias de janeiro. Para
sustentar o nosso estilo de vida, necessitaríamos de 2,8 planetas.
Contrariamente ao que
pensamos, se vivêssemos em Cuba, os recursos esgotar-se-iam a 1 de dezembro, se
vivêssemos na Nigéria viveríamos felizes até ao Natal, dia 25 de dezembro…
Se nos queremos salvar, se queremos o abrigo da Mãe Terra,
temos, a meu ver, duas soluções: comprar dois ou três planetas; ou utilizar as
técnicas ancestrais que permitiam a sustentabilidade.
De facto, muitos países e regiões estão a realizar um
excelente trabalho a nível da sustentabilidade, utilizando as técnicas
ancestrais. Proibiram os arrastões, a pesca é realizada apenas por pequenas
embarcações, pescam menos e vendem os produtos mais caros, desenvolvendo uma
economia sustentável; aplicam técnicas de “poisio”, dividem as regiões em 3
partes, só podem pescar numa delas e todos os anos mudam o local de pesca,
permitindo que a Natureza se recomponha. Muitas espécies que estavam na lista
“em vias de extinção” recuperaram e, hoje, existe um equilíbrio perfeito entre
as espécies.
Podia alongar-me muito mais, muito há por dizer e ensinar no
que diz respeito à biodiversidade e ao equilíbrio na Mãe Natureza; deixo-vos
apenas duas perguntas: terá a minha infância sido pobre? Acha viável a compra de dois planetas?
PS; a fotografia que ilustra a publicação não é um lugar poluído; foi tirada no Deserto da Namíbia, palco de uma biodiversidade inigualável. Sem sorrisos