sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A açorda

       A escassez e a pobreza, dos tempos idos, ditaram invenção à mesa. Mãos criativas e mentes trabalhadoras aliaram o pão às ervas selvagens (existentes na planície e nas margens dos cursos de água); tornando-se, esta, a base do que se servia à mesa. Vasta, nobre e ampla de sabores, a gastronomia alentejana ganha diferença e demarca-se da globalidade- seguindo um rumo próprio. Uma simples açorda (pão demolhado em água,  com azeite, alhos, sal e ervas) de poejos ou coentros é um verdadeiro apelativo aos sentidos. 

Cada mesa seu sentido. Uma base tão simples, como a açorda, é enriquecida de modo inovador e criativo em cada casa alentejana. A sua receita depende da estação do ano e dos restos das sobras do ontem. Se no outono são as azeitonas  que a ampliam de sabores; no inverno, é o rábano  que a acompanha. O chouriço, o presunto, o ovo, o bacalhau, o resto de toucinho dos jantares, o toucinho salgado, cachola frita, o peixe frito e frio, e muitos outros,  fazem desta receita uma das mais criativas- um mistério ao paladar. E não se fica por aqui: se substituirmos o azeite por gordura de porco e o pão ferver, no tacho, de açorda passamos a migas. Se forem os acompanhamentos e as ervas a serem cozidos com as leguminosas (grão, chícharo, feijão branco, feijão vermelho…): o seu caldo enriquece as sopas e come-se o jantar à hora de almoço. Confuso? Não: único. Se a água estiver fria: em vez de açorda temos gaspacho. Não há carne, peixe ou leguminosas: sopas de tomate, beldroegas ou batata.  Água, pão, ervas e o que houver traduz de forma solene a excelência de uma das mais insólitas gastronomias. 
A açorda, meus amigos, evoluiu a partir do que não havia.
Sorrisos
Guida Brito

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