A
escassez e a pobreza, dos tempos idos, ditaram invenção à mesa. Mãos criativas
e mentes trabalhadoras aliaram o pão às ervas selvagens (existentes na planície
e nas margens dos cursos de água); tornando-se, esta, a base do que se servia à
mesa. Vasta, nobre e ampla de sabores, a gastronomia alentejana ganha diferença
e demarca-se da globalidade- seguindo um rumo próprio. Uma simples açorda (pão
demolhado em água, com azeite, alhos, sal
e ervas) de poejos ou coentros é um verdadeiro apelativo aos sentidos.
Cada mesa seu sentido. Uma base tão simples, como a açorda,
é enriquecida de modo inovador e criativo em cada casa alentejana. A sua
receita depende da estação do ano e dos restos das sobras do ontem. Se no
outono são as azeitonas que a ampliam de
sabores; no inverno, é o rábano que a
acompanha. O chouriço, o presunto, o ovo, o bacalhau, o resto de toucinho dos
jantares, o toucinho salgado, cachola frita, o peixe frito e frio, e muitos
outros, fazem desta receita uma das mais
criativas- um mistério ao paladar. E não se fica por aqui: se substituirmos o
azeite por gordura de porco e o pão ferver, no tacho, de açorda passamos a
migas. Se forem os acompanhamentos e as ervas a serem cozidos com as
leguminosas (grão, chícharo, feijão branco, feijão vermelho…): o seu caldo
enriquece as sopas e come-se o jantar à hora de almoço. Confuso? Não: único. Se
a água estiver fria: em vez de açorda temos gaspacho. Não há carne, peixe ou
leguminosas: sopas de tomate, beldroegas ou batata. Água, pão, ervas e o que houver traduz de forma
solene a excelência de uma das mais insólitas gastronomias.
A açorda, meus amigos, evoluiu a partir do que não havia.
Sorrisos
Guida Brito
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