sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Metade de mim/ Metade de ti



Não consegui- nem por um instante- desviar o olhar. Beberiquei com sofreguidão- incrédula entre os raspanetes que metade de mim teimava em passar- cada gesto, cada passo…
“ Não! Não é flor que se cheire!”- raspaneava a minha metade. Olhá-lo, cheira a traição do que de mais puro há em mim.
A outra? Bem, a outra metade alheava-se do corpo perfeito: sem uma grama de gordura, alto, forte, uns braços… escondendo por completo a calvície. A outra metade, meus amigos, observava a ternura dos gestos e o afago se fazia sentir ao primeiro olhar.
Detesto-o- por razões óbvias para mim (não para vós) pois dois mais dois nunca são quatro. Detesto-o, não o posso olhar. Foi duro! A leoa, que há em mim, e o vulcão, imprevisível, que me preenche justificam as furibundas faíscas que ainda saltam e ressaltam do meu olhar. Enquanto meia Guida marca o seu território a outra deixa-se levitar e num olhar curioso abre espaço para a dúvida e para o conhecimento: uma guerra que provavelmente ansiava paz.
Lá estava ele, um adónis e um pedaço de mau caminho (é certo) mas desprezível em tudo o que se me avivava à memória. Uma besta quadrada (finalmente fui direta- não me poli pelo socialmente aceitável).
Besta quadrada! Não pode ser tão quadrado assim. E o olhar com que protege e vigia as suas crias? E os gestos puros que orientam, mimam e ensinam? E a relação que notoriamente os une? E a cumplicidade? Esfrego os olhos e especada, no lugar central da fila da frente (o único ocupado no anfiteatro local) vejo tudo e tento interiorizar um filme que imaginaria ser pura ficção. Observo um ser doce, paciente que em tons puros ressalta a excelência do ensinar. Em êxtase do que bebia o meu olhar, apenas o polvo que, no final, bates cruelmente contra a rocha me relembram a tua e a minha outra metade.
O palco é uma praia, escolhemos ambos, casualmente, o lado menos habitado. É indecifrável o cruzamento do olhar; certamente, a surpresa e o ódio prenderam-se para não se soltar: a indiferença é a arma de quem quer magoar. Sim, sei que me viste e também tu atreveste o olhar. Num palco que foi só teu, só tu o sabes decifrar.

Das nossas metades conhecemos as guerreiras. Hoje, não esqueci mas fica o conhecimento que, afinal, és igualzinho a mim: um bruto que sabe amar. 

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