quarta-feira, 28 de agosto de 2019

O Sino que a aldeia não tinha - Aguiar


Recuperemos a nossa terra! - José Jorge Cameira - Navegantes de Ideias

ESTÓRIA VERÍDICA DO ALENTEJO - AGUIAR, Distrito de ÉVORA



Nos anos 60 (1960 e tal) a aldeia AGUIAR, no início do Distrito de Évora tinha muita fama de ser comunista. É que os Trabalhadores refilavam muito com os donos dos latifúndios de centenas ou mesmo milhares de hectares de terras existentes à volta da Povoação - queriam mais salário, estranportes até à aldeia... ora isso no tempo da Outra Senhora era coisa grave. 

Por isso a Diocese não mandava para lá nenhum Padre ou não fosse ele ficar também comunista ou era por castigo desse povo ser tão herege. Mas um dia um Sacerdote mais afoito ofereceu-se ao Bispo para "cristianizar" essas gentes desencaminhadas do Divino Redil. E lá foi ele para o sertão, isto é, para o Alentejo.

Encontrou uma Igreja limpa e a brilhar. Por aqui as Gentes do Sul costumam caiar as casas uma vez por ano. Isso então não falha!
Mas faltava-lhe o SINO. A Diocese não forneceu nenhum, porque não havia Padre para chamar os fiéis e também porque era parte do castigo para aquelas Almas desavindas. Não era preciso, nem mereciam!
Este Senhor Prior lá se foi aguentando e o horário da Missa, Terço era por passa-palavra. Casamentos havia poucos ou nenhuns, porque aqui o costume era ajuntarem-se, o Povo era pobre, assim não se gastava dinheiro em bodas e festanças de um dia!


Mas mulheres gostavam de se ir confessar, ou melhor, desabafar a um senhor padre que até era jeitoso. Desabafavam as suas diabruras de fêmeas, havia confiança absoluta porque o que diziam na Confissão não podia ser divulgado e ...tem de se dizer, o Senhor Prior era para elas um belo pedaço de homem, sendo bem olhado pelos buraquinhos do confessionário! Sempre lavadinho e penteado, unhas limpas. Nada parecido com os respectivos companheiros, sempre transando a suadouro do trabalho dos campos, quando não era também os cheiros mijalosos das vacas, ovelhas, cabritos e suínos !
Desse modo o Reverendo foi sabendo os pecados da Freguesia e à força do tempo, foi conhecendo o ambiente da aldeia.


Um dia uma Comissão de Moradores foi falar com o Padre, manifestando-lhe o desejo de terem um SINO no alto do campanário, tal como todas as aldeias em redor. Desconfio eu, à distância do tempo, que a intenção não era lá muito pela fé, mas sim para os trabalhadores do campo ouvirem de longe o toque de recolher a casa, coisa que não agradava lá muito ao latifundiário ou ao seu feitor lacaio.  


-- O Senhor Bispo diz que não tem dinheiro para dar um sino. Assim sendo, a única solução é o Povo fazer uma subscrição e eu mesmo me encarrego de ir a Lisboa comprar um sino de bronze, um bem bonito, com uma cruz e nome da nossa Aldeia.


Assim foi. Passados uns meses, essa tal Comissão de Moradores foi entregar ao Senhor Padre uma boa mão cheia de notas a fim de ele comprar o tal sino.


E lá foi o Ministro de Deus até Lisboa com o bolso da batina atafulhado das notas.
Passou-se um mês, dois meses...e nada de sino nem de padre.
Já o Povo desconfiava de marosca, quando numa bela manhã de domingo, ali junto ao Largo da Aldeia pára uma camioneta e o chauffer pergunta ao primeiro aldeão:
-Aqui é que é Aguiar? Trago aqui um caixote pesado com ordens para deixar aqui na Aldeia...
Depressa se espalhou a notícia pela Aldeia e gritaram uns para os outros:



                    - CHEGOU O NOSSO SINO!

Aquilo foi uma correria de todo o Povo para verem o seu SINO. Ninguém quis ficar em casa. Todos queriam assistir ao abrir do pesado caixote!


Não havia maneira de abrir o caixote, tão bem pregado ele estava. Mas diziam: isto abana muito! Sino não pode abanar, é pesado!
Com uma alavanca conseguiram tirar as tábuas cimeiras e após removerem o papelão protector, eis que fica destapada a mercadoria:

Então não é que o caixote estava completamente cheio de CORNOS? Isso mesmo: cornos de carneiros, de bodes, de bois...às dezenas, qual deles o mais torcido!

Bem. Nunca nenhuma pessoa do Mundo foi tão injuriada e difamada como esse Padre. Era filho disto, filho daquilo, cabrão, filho de uma folha de alface, paneleiro...
Até o ameaçaram com juras que se voltasse à Aldeia seria CAPADO das partes inúteis!

O caixote cheio de cornos ali ficou especado ao sol uma porção de dias, à vista de todos. E o pior era que os carros e camionetas que passavam pela Aldeia eram obrigadas a olhar o caixote, estava rente à estrada...

Depressa o Povo converteu o acontecimento em brincadeira.
As mulheres, durante a semana, passavam pelo caixote e diziam umas às outras:
-Olha... aqueles ali parecem os do teu homem!
-Pelo menos é o mais bonito par de cornos, os do teu nem cabem no caixote !

Ainda hoje, volvidos quase 70 anos, se alguém passa pela aldeia e pergunta pelo sino a algum habitante, de certeza que é corrido à pedrada !

Recolha de José Jorge Cameira

(foto da Wikipedia)



6 comentários:

  1. Respostas
    1. Guida Brito, esta não é a história de Aguiar. Isto já é uma divagação de alguém com uma grande imaginação.

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    2. Jiron,esta história é uma lenda, passada de forma oral de pais para filhos, de vizinho para vizinho… e, nessa passagem, sofre alterações dependendo de quem a conta. Como qualquer outra lenda existem muitas versões, de acordo com a pesquisa elaborada pelo historiador que a descreve, numa linguagem e sentires do povo, na época existia um relógio na igreja mas faltava o sino que soasse as horas. E seria o Sino e não o relógio que causou alguma oratória. Não se sabe bem o que de facto aconteceu, as lendas misturam a verdade com a ficção e o pensar de quem a repassa– daí as várias versões. As boas e nobres gentes de Aguiar resolveram a questão colocando um relógio na rotunda – para que todos saibam que no Alentejo os ódios e formas de estar menos corretas não têm lugar. Os Navegantes de Ideias (do qual sou administradora) têm o orgulho de opinar sem censura e de partilhar o que nos é comum: Amor ao património alentejano. O que nos move, no que se refere ao Alentejo, é que esta riqueza de histórias, sentires e nobreza de ser seja um rumo a seguir pelos povos e pessoas que preferem a guerra ou a injúria à aceitação. Relativamente a esta história, existem pelo menos mais duas versões; no entanto, não possuo todos os dados para as poder publicar. Será com muito orgulho que partilharemos a sua versão logo que a nos envie por escrito – o que interessa é que o que é tão belo e são não se perca. Se preferir pode colocar a sua versão aqui nos comentários - nós agradecemos todos os contributos.

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  2. Foi-nos enviada uma outra versão da história. Para ler consulte o seguinte link: https://alentejanoemlisboa.blogspot.com/2010/04/o-relogio-da-torre-da-igreja-de-aguiar.html?fbclid=IwAR0U78Vu3gs3J_ShYbjxMKzEoT13j4MV8sFplm9K3LdkRWY9Av45YvRCVO0

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  3. E como qualquer outra história/lenda desta terra tão Bela (Alentejo), a passagem oral divergiu em várias versões. O leitor Adamastor Guerreiro enviou-nos outra versão, a qual agradecemos e muito: é a partilha do saber de cada um que permite a memória futura de um povo cuja grandeza é inabalável. Partilho:
    "Bem diz a história que o padre da aldeia de Aguiar fez um peditório para um relógio que era para colocar na torre da igreja e todas as pessoas da aldeia fizeram o seu donativo e acontece que o padre fugiu com o dinheiro passado algum tempo aparece na aldeia um caixote e ainda não tinham abrido o caixote e todas as pessoas principalmente as mulheres começaram a dizer que os maridos tinham parte no caixote porque fizeram o seu donativo entretanto abriram o caixote e o que estava lá dentro era um ganda par de cornos e vai daí ainda hoje é preciso cuidado ao perguntar-se as horas nessa aldeia que é Aguiar no Alentejo perto de Évora porque pode-se levar uma cachaporrada pelos cornos abaixo mais ou menos é esta a história cuidado com as horas 😂😂😂😂😂👍"

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  4. Não conhecia esta história desta maneira. Sempre me disseram que tinham era roubado o relógio da igreja. E que hoje ninguém pode perguntar as horas em Aguiar senão é corrido à porrada.

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