Apesar de
radiante com o convite, a minha já célebre má educação (bestealidade) antes do
café da manhã quase, quase que me fazia
perder o furacão das emoções que vivenciei; não fora a simpatia e coragem do
meu grande amigo (bravo e corajoso: não por enfrentar, com o corpo, touros de
500 ou 600 Kg mas por ser capaz de contrariar e atrever-se a respirar perante este
terramoto matinal de 55kg de gente; antes mesmo do néctar da felicidade que
necessito para me conscientizar que existem outros habitantes no planeta).
Calguei quilómetros (obrigada a voar, devido ao inconveniente piso das estradas
portuguesas) e cheguei sem atraso significativo.
Uma beijoca, um
abraço, um café e um chapéu branco: assim fui recebida no Mundo Tauromáquico
Português; sobre o qual me apresentava vazia de qualquer fundamentalismo de
qualquer dos lados dos debates públicos. O meu único sentir provinha das
expressões prazerosas do meu pai quando interrompia, ou adiava, a sua vida
trabalhosa e se sentava, confortavelmente numa velha poltrona, para ver : a
Tourada. O auge era a pega e foi isso que fui fotografar à bela Herdade da
Machoa, na companhia desse grande grupo de forcados Aposento da Chamusca. Uma
homenagem e uma proximidade a um grande senhor da minha vida.
Olhei os que me
rodeavam e pensei: “quando chegarão os forcados?” Saltou-me tudo e fiquei
completamente prostrada ao constatar que as caritas que não deixam antever o
que quer que seja e muito menos a tarefa que se seguia: eram os Homens do Dia.
O tentadero foi pequeno para o vendaval de emoções que se fez sentir.
Não se enganem
por qualquer foto engraçada captada num milionésimo de segundo que ninguém vê ou
sente e apenas uma boa máquina consegue capturar. Aqui há coragem; há respeito;
cumprimento imediato das orientações hierárquicas
dos que sabem por experiência própria; domínio sobre si, sobre o outro e o que o
rodeia; uma mão ajudante que aterra na hora certa; há postura; há humildade… estes meninos de carácter submisso e que não
deixam antever o que quer que seja: respiram bravura e enfrentam o Touro Pelos
Cornos.
Saltitei
apavorada e de coração nas mãos entre a arena e a escada de salvação (mesmo
nunca estando em perigo) e fui fotografando na esperança de retratar fazendo
jus à grandeza da bravura de ser destas gentes e destes animais.
Gentes que mesmo
quando as lágrimas me raiavam os olhos e o coração sangrava na incerteza do
ocorrido, mantinham uma organização, calma e forma de estar que nunca tinha
observado; sem vozes sobrepostas ou alaridos, cada um desempenha a sua função:
o responsável pelo grupo dá ordens calmas, precisas e claras que são
meticulosamente cumpridas; outros referem a regularidade; outros proferem
frases engraçadas que animam e fazem imperar a normalidade das lides; outros dirigem-se
aos que lhe são queridos e assistem “Hoje, já não ganhas beijinhos do namorado”…
desta forma encurtam a hora dolorosa e garantem uma não ampliação das sequelas
dos braços irmãos. Há confiança e respeito.
Os animais, talvez
sejam os últimos animais de grande porte que nasceram livres e vivem em
perfeita comunhão com a Natureza em território português, numa área que se
estende por vários quilómetros quadrados; tal como pude observar. Refiro que
não sou fundamentalista (sem nunca ter consultado o dicionário) entendo que
esta palavra significa- pessoa que por palavras ou atos tenta subjugar e
denegrir seres cuja enormidade de ser deveriam ser exemplo. Observei tentando
ser isenta até das mães que, apesar de não presentes, senti em todos os
momentos que vivenciei e registei com o coração e a minha singela lente
fotográfica. Aqui o animal é rei, quer pela forma livre em que vive, quer pelo
trato. São bem audíveis expressões como: “ Não castigues o animal, enfrenta-o”.
Há uma sua clara vantagem no corpo a corpo com os meninos Homens que enfrentam.
No final, tal como acontecia antigamente com todos os animais na Mãe Natureza:
se perdem a batalha servirão de refeição; se a vencem serão reprodutores e
garantirão a bravura das gerações vindouras.
Provavelmente
este meu texto será objeto de crítica pela maioria de vós: o natural, hoje em
dia, é ter 40 anos e viver uma realidade virtual no computador, no quarto
fechado da casa da mãe. Aqui não se teclam com os dedos jogos ou palavras de
computador: é com pontas ou sem pontas. O natural é gostar de fois gras sei lá
de onde; frango grelhado a um preço de mijona; coelho à caçador; hambúrguer dos
“méques”; massas à carbonara ou pizas pré-feitas que garantem um comer rápido enquanto
mensageio no facebook ou afins; natural é ser vegetariano, granívoro ou outro
que esconda a presença animal… o natural é esquecer que desde o talho do
vizinho, à promoção do híper, passando por qualquer alimento embalado, enlatado,
congelado ou sei lá que mais: o nosso alimento provém de animais que nunca
viram a luz do sol; vivem enjaulados num espaço menor que eles e nasceram com o
único e exclusivo fim da morte e de sustentar financeiramente meia dúzia ricaços-
muito provavelmente os que têm capacidade financeira para se alimentar da carne
dos touros bravos que perderam a batalha. O natural, hoje em dia, são as
hormonas, a manipulação genética, os cancros que daí advêm e a hipocrisia.
Fiquei com
vontade de ir ao campo pequeno: não, não quero um lugar nas bancadas vestida de
salamaneques e de salto alto. Quero: o salto alto e os salamaneques mas junto
da arena; ali no rodopio dos que enfrentam o bicho pelos cornos.
Sorrisos
Guida Brito