domingo, 9 de abril de 2017

A pega- por Guida Brito



    O meu muito obrigada, aos Forcados Aposento da Chamusca, pelo carinho e por me proporcionarem o primeiro contacto com o mundo tauromáquico. Espero conseguir dignificar, com as minhas fotos, não a Vossa coragem mas a grandeza do Vosso ser.
Apesar de radiante com o convite, a minha já célebre má educação (bestealidade) antes do café da  manhã quase, quase que me fazia perder o furacão das emoções que vivenciei; não fora a simpatia e coragem do meu grande amigo (bravo e corajoso: não por enfrentar, com o corpo, touros de 500 ou 600 Kg mas por ser capaz de contrariar e atrever-se a respirar perante este terramoto matinal de 55kg de gente; antes mesmo do néctar da felicidade que necessito para me conscientizar que existem outros habitantes no planeta). Calguei quilómetros (obrigada a voar, devido ao inconveniente piso das estradas portuguesas) e cheguei sem atraso significativo.
Uma beijoca, um abraço, um café e um chapéu branco: assim fui recebida no Mundo Tauromáquico Português; sobre o qual me apresentava vazia de qualquer fundamentalismo de qualquer dos lados dos debates públicos. O meu único sentir provinha das expressões prazerosas do meu pai quando interrompia, ou adiava, a sua vida trabalhosa e se sentava, confortavelmente numa velha poltrona, para ver : a Tourada. O auge era a pega e foi isso que fui fotografar à bela Herdade da Machoa, na companhia desse grande grupo de forcados Aposento da Chamusca. Uma homenagem e uma proximidade a um grande senhor da minha vida.

Olhei os que me rodeavam e pensei: “quando chegarão os forcados?” Saltou-me tudo e fiquei completamente prostrada ao constatar que as caritas que não deixam antever o que quer que seja e muito menos a tarefa que se seguia: eram os Homens do Dia. O tentadero foi pequeno para o vendaval de emoções que se fez sentir.
Não se enganem por qualquer foto engraçada captada num milionésimo de segundo que ninguém vê ou sente e apenas uma boa máquina consegue capturar. Aqui há coragem; há respeito;  cumprimento imediato das orientações hierárquicas dos que sabem por experiência própria;  domínio sobre si, sobre o outro e o que o rodeia; uma mão ajudante que aterra na hora certa; há postura; há humildade…  estes meninos de carácter submisso e que não deixam antever o que quer que seja: respiram bravura e enfrentam o Touro Pelos Cornos.

Saltitei apavorada e de coração nas mãos entre a arena e a escada de salvação (mesmo nunca estando em perigo) e fui fotografando na esperança de retratar fazendo jus à grandeza da bravura de ser destas gentes e destes animais.

Gentes que mesmo quando as lágrimas me raiavam os olhos e o coração sangrava na incerteza do ocorrido, mantinham uma organização, calma e forma de estar que nunca tinha observado; sem vozes sobrepostas ou alaridos, cada um desempenha a sua função: o responsável pelo grupo dá ordens calmas, precisas e claras que são meticulosamente cumpridas; outros referem a regularidade; outros proferem frases engraçadas que animam e fazem imperar a normalidade das lides; outros dirigem-se aos que lhe são queridos e assistem “Hoje, já não ganhas beijinhos do namorado”… desta forma encurtam a hora dolorosa e garantem uma não ampliação das sequelas dos braços irmãos. Há confiança e respeito.

Os animais, talvez sejam os últimos animais de grande porte que nasceram livres e vivem em perfeita comunhão com a Natureza em território português, numa área que se estende por vários quilómetros quadrados; tal como pude observar. Refiro que não sou fundamentalista (sem nunca ter consultado o dicionário) entendo que esta palavra significa- pessoa que por palavras ou atos tenta subjugar e denegrir seres cuja enormidade de ser deveriam ser exemplo. Observei tentando ser isenta até das mães que, apesar de não presentes, senti em todos os momentos que vivenciei e registei com o coração e a minha singela lente fotográfica. Aqui o animal é rei, quer pela forma livre em que vive, quer pelo trato. São bem audíveis expressões como: “ Não castigues o animal, enfrenta-o”. Há uma sua clara vantagem no corpo a corpo com os meninos Homens que enfrentam. No final, tal como acontecia antigamente com todos os animais na Mãe Natureza: se perdem a batalha servirão de refeição; se a vencem serão reprodutores e garantirão a bravura das gerações vindouras.

Provavelmente este meu texto será objeto de crítica pela maioria de vós: o natural, hoje em dia, é ter 40 anos e viver uma realidade virtual no computador, no quarto fechado da casa da mãe. Aqui não se teclam com os dedos jogos ou palavras de computador: é com pontas ou sem pontas. O natural é gostar de fois gras sei lá de onde; frango grelhado a um preço de mijona; coelho à caçador; hambúrguer dos “méques”; massas à carbonara ou pizas pré-feitas que garantem um comer rápido enquanto mensageio no facebook ou afins; natural é ser vegetariano, granívoro ou outro que esconda a presença animal… o natural é esquecer que desde o talho do vizinho, à promoção do híper, passando por qualquer alimento embalado, enlatado, congelado ou sei lá que mais: o nosso alimento provém de animais que nunca viram a luz do sol; vivem enjaulados num espaço menor que eles e nasceram com o único e exclusivo fim da morte e de sustentar financeiramente meia dúzia ricaços- muito provavelmente os que têm capacidade financeira para se alimentar da carne dos touros bravos que perderam a batalha. O natural, hoje em dia, são as hormonas, a manipulação genética, os cancros que daí advêm e a hipocrisia.


Fiquei com vontade de ir ao campo pequeno: não, não quero um lugar nas bancadas vestida de salamaneques e de salto alto. Quero: o salto alto e os salamaneques mas junto da arena; ali no rodopio dos que enfrentam o bicho pelos cornos.
Sorrisos

Guida Brito

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