Portugal,
Alentejo: cerca de quarenta velhos foram condenados a viver enclausurados, nas
suas casas, de janelas fechadas, 24 horas por dia; condenados a respirar o
negro; condenados a uma alimentação parca e pobre. Problemas respiratórios,
tosse, lacrimejar de olhos, ardor na garganta chegaram em tons de dor. Sem ar,
sem água e sem alimento, rezam pedindo a morte e que esta não se demore. Falo em quarenta mas minto. Não são quarenta:
são mais. Quarenta velhos e um menino (de doze anos) são os mais violentados
num dever que devia ser sagrado: o direito à vida.
Chamo-lhe:
velhos. Os idosos são cuidados com afeto e esmero. Os velhos agoniam ansiando a
morte. Aos idosos, a sociedade proporciona o bem; aos velhos, a mesma
sociedade, retira-lhes o ar, a água e o sustento: mata-os em vida (devagarinho
e com dor).
Vou
fazer o contraproducente: escrever muito sobre um tema. Dizem que, por terras
da internet, se é muito: ninguém lê. Vamos testar a Vossa capacidade de
concentração. Sugiro: aquiete-se na leitura e mexa-se na indignação.
Após
escrever sobre os graves crimes(na minha leiga opinião) ambientais e contra o património (consequência
dos olivais superintensivos no Alentejo), recebi milhares de mensagens e
pedidos de escritos. Um despertou-me o agastamento e decidi investigar.
“ Os letrados chamam-lhe
desenvolvimento; eu rezo para que a morte chegue e em breve”- o relato
vem de Fortes Novas; Figueira de Cavaleiros; Alentejo.
Outrora
pacata, num Alentejo profundo, brindou a
um Alqueva que lhe prometia água- ignorando a morte lenta, escrita em cada gota
do grande lago que lhe garantia, um dia, matar a sede. As hortas, as cabras…
permitiam a sobrevivência, garantiam o sustento e fizeram jus ao sonho de educar
os filhos. Gente que vivia das parcas reformas portuguesas e que necessitava da
terra para matar a fome. Chegou o olival e o desenvolvimento, de forma
moderada, aconchegado sonhos de emprego
e de futuros risonhos; trouxe o lagar, o maior do mundo; trouxe a esperança.
Dias curtos de quem só sonhou. Tudo se foi tornando maior, e maior, e maior…
ocupando todos os espaços, gritando em nome da economia e do desenvolvimento.
Os sonhos não sorriram e os empregos não se conhecem por ali. Mas veio a
fábrica; veio a fábrica transportando o negrume, a dor e a morte (dizem eles e parece que têm razão).
Com a poluição, as hortas
morreram e com elas o alimento de uma população pobre; o ar deixou de ser
respirável e a água passou a ser negra.
O negro invade-os ainda em vida.
Começaram
a queixar o seu tormento mas gente velha não é ouvida. Queixam-se, choram e esperneiam- esperneiam dentro
de casa (na rua, o ar é irrespirável e o fumo negro nauseabundo não permite ver
qualquer horizonte).
Referem
uma unidade fabril de extração de óleo de bagaço de azeitona (proveniente dos
olivais superintensivos) como causa dos seus males. Labora dia e noite, entre
nove a doze meses por ano; e, cerca de, cinco chaminés, de forma intensiva,
lançam na atmosfera não se sabe bem o quê; sabe-se que num raio de dez quilómetros,
a vida não é um bem que se preze; sabe-se que, a viver num raio de 400 metros,
esta gente é enterrada em vida.
Petrifiquei
perante a sua dor. Fui ouvindo; fui lendo.
“
trinta vacas morrem envenenadas após beber água”…” brutal fuga de água contaminada
por uma ribeira abaixo”
“…
as casas e as viaturas ficam cobertas por um resíduo oleoso e cinzas e não se
pode estender roupa” – fica suja e a cheirar mal.
“os
filtros não são substituídos porque a sua substituição impede o rendimento
máximo da fabrica - só se vier a inspeção…”
“ devido
aos olivais, no solo, a poluição acumulada é tanta que se chover o Sado morre e
chega ao mar”
Ouvi
e vi fotografias que comprovam as águas negras, as roupas sujas, o negrume que
se cola a tudo- mesmo no interior das casas. Vi que não se via devido à densidade do ar.
E
li, li tudo o que encontrei de artigos, jornais, emails, respostas…
Li
que a poluição abarca muito mais que o raio de 10km. Em Santiago do Cacém, numa
albufeira em Monte Novo dos Modernos, a autarquia retirou 700kg de peixes
mortos. Chamada a GNR:
“Os
militares, ao deslocarem-se à albufeira, verificaram que a água se encontrava
completamente “negra” e com cheiro a “bagaço de azeitona”…”
“ Após
efetuadas diligências de investigação, a GNR apurou que os motivos da contaminação da albufeira
foram motivados por “descargas provocadas por uma empresa que se dedica à
compra e venda de biomassa, atividade para a produção de azeite e fabrico de
pellets de bagaço de azeitona a partir de bagaço seco”
“ fonte da GNR afirma que a empresa está referenciada…
no domínio da poluição hídrica, de solos e de atmosfera”
A GNR:
“detetou…
durante uma acção de fiscalização… e da acção resultou a elaboração de cinco
autos de contra-ordenação por existência de lagoa sem proteção, abandono e
injeção de resíduos no solo, falta de auto-controlo de emissões para a
atmosfera, acções de condução ao perecimento
e evidente depreciação de azinheiras e sobreiros e operação de gestão de óleos
usados em violação das normas estabelecidas”
(…)
Relativamente
à empresa em questão- li que, através de um porta-voz ,foi garantido: “o que sai
das chaminés da fábrica, “mais bem preparada da península Ibérica, é apenas
vapor de água”. E acrescenta: “As consequências para a qualidade de vida das pessoas são “o outro lado da
moeda” sublinhando que “é impossível haver actividade económica sem impactes
ambientais negativos”
Ops!
Senhores, se é vapor de água, qual é o impacto ambiental negativo que referem? Contaminam
as águas, os solos?
Se
reconhecem consequências na qualidade de vida das pessoas, posso perguntar: o que estão a contaminar?
Ajudaram a matar a sede e a fome a esta gente?
Pagam tetos nas casas com telhado constituído apenas por telha? Fornecem
alimento à população? O que fizeram? Qual é a Vossa contribuição para minimizar
este enterro vivo?
Já ajudaram as pessoas a saber de onde provêm
os cheiros nauseabundos; a cobertura oleosa que se pega a tudo, os fumos que
carregados de partículas impedem a visão? Ajudaram a saber o que é o “preto”
que invade a aldeia?
Apraz-me
dizer: E os velhos nunca mais morrem para ficarem calados de vez! Quem diria
que mesmo fechados em casa, sem ar, sem comida e sem água, resistiam tanto.
Ouvi
o programa do Hernani de Carvalho sobre o tema em questão.
Senhor
Presidente da Câmara de Ferreira do Alentejo, permita-me partilhar a minha
modesta opinião: não gostei de o ouvir. Eu sei que a população o defende e reconhece
que está do lado deles; eu é que não fiquei convencida. Vão tentar encontrar
soluções? Quando os velhos morrerem? E até lá, eles respiram, bebem e comem o
quê? São velhos: morrem já morridos da vida que não vivem. Da forma como falou,
senti que de um lado estava o dinheiro e do outro estavam os votos. O “não é da competência da autarquia” precisava ser
melhor definido. Precisava que, nas
mesmas condições que os habitantes, o senhor e os que nada decidem vivessem lá
uma semanita. Sabe que, segundo o que li, a fábrica que labora aí foi
transferida de Vila Velha de Ródão. O Ministério do Ambiente considerou-a quase
uma luz divina sem qualquer poluição. O Presidente da autarquia juntou-se à
população e, da sua ação, resultou o
fecho da fábrica pelo tribunal, por: incumprimento, por parte da empresa, dos
valores limite de emissão aplicáveis aos poluentes, partículas, monóxido de
carbono e compostos orgânicos”. A situação foi considerada de extrema gravidade
pelo tribunal. Este senhor deixou obra: permitiu a vida na região. E não era da
sua competência.
Pelo
Alentejo, assiste-se a um surto de presidentes de autarquias e câmaras que
querem deixar obra: o que se traduz em rotundas repletas de obras de arte. Não
tenho nada contra a arte, antes pelo contrário,
apenas acho injusto trocar o ar,
a água, a vida, o património pela sua existência. Não sei se é obra sua: não
pude deixar de reparar que recentemente foram colocadas duas em Figueira de
Cavaleiros.
Uma
das quais tem semelhanças com o povo de Fortes: ambos não têm. O povo de Fortes
não tem água, não tem ar, não tem comida; a rotunda não tem estradas. Não tem;
olhei, olhei, fui lá e não tinha: não havia estrada. Está ali, numa imponência desmedida, no meio
de nenhures.
Senhor
Presidente, não ligue à minha Ironia mas não fale, aparentemente feliz, em
Desenvolvimento do Alentejo, numa alusão aos olivais superintensivos e azeites
daí provenientes. O que o senhor chama de desenvolvimento, eu chamo de
destruição e o Povo de Fortes fala em exterminação (morte). Não tem
conhecimento que tudo foi arrasado pelo Alentejo: património histórico;
património ambiental (fauna, flora); recursos Hídricos; ar….? E agora arrasa com
a vida humana. O senhor ocupa uma posição, um cargo, eleito pelo povo, que lhe
permite fazer mais e melhor. E o povo é poucochinho a pedir: quer água, ar e
comida. Percebeu que a sua região beneficiou com duas rotundas (uma sem
estradas) e ficou sem tudo o resto que é essencial à vida;?Nem empregos (os
trabalhadores não são dessa zona). Vai dizer-me, também, que os habitantes que
representa não querem trabalhar? Tenho a certeza que consegue fazer mais e
melhor. Urgente… urgente era garantir, no imediato: direito a respirar; direito
a comer; direito a beber e direito a sair de casa. Depois vinham as soluções: “os
sopradores” (como referiu o Hernani). Eu não dormiria se os que me elegeram, e
acharam digno para o cargo, estivessem enterrados em vida. A população precisa
de 1000 euros para fazer análises independentes e fidedignas; a sua autarquia
vai colaborar de forma monetária?Quando? (Pode vender uma rotunda- a que
não tem estradas).
Ouvi,
também, não a voz, a mensagem do senhor
administrador da empresa em questão: Nuno Branco. De Inglaterra, manifestou a
voz da empresa... De Inglaterra? O senhor vive em Inglaterra? Não trabalha em
Fortes? Como é que chega a horas ao trabalho? Burrice a minha: trabalha nos
computadores? Mas conhece Fortes, certo? Ah? Já viveu com estas pessoas para
constatar a sua realidade? Não? Ups. Em modos do Alentejo: lança pescadas mas
não percebe nada daquilo. Tem um cargo e é gente importante. Que se lixem os velhos (digo eu).
Para chegar aí, à Inglaterra, e trabalhar nos
computs teve que estudar muito, certo? Se lhe explicarem o senhor percebe as
coisas, correto? Ok. Descobri que não
lhe contam tudo; o senhor não vai lá e eles, provavelmente, mentem-lhe. Reparou que quando a
Jornalista reproduziu a sua mensagem em duas ocasiões (“a fábrica labora 4 a 5
meses por ano” e “o vento sopra naquela direção quatro a cinco vezes no ano”)
se ouve imenso barulho de fundo. São os velhos, senhor. São os velhos a
manifestar a sua dor. A fábrica labora o dobro do tempo e o vento não gosta
deles, leva tudo para lá. Sopra de tal forma e tantas vezes que já aconteceu
que o rapazito de doze anos que vive a 100 metros da fábrica, não pôde sair de
casa nas férias escolares.E isso é o de somenos. Tem filhos, senhor? Os seus
têm ar? E comida e água? Aposto que sim. Férias? Bahamas, Dubai ou outro
sorridente E tem pais? São velhos ou idosos?
Explico-lhe
mais. Não se fie nas análises efetuadas e que garantem o quão bom é o vapor de
água que sai das chaminés: há testemunhos que foram efetuadas no dia do ano em
que estes habitantes podem lavar a roupa (num dia bom), a 1 quilómetro de
distância e no lado contrário ao vento. Esta gente vive a 400 metros. Seria difícil aquilo dar alguma coisa.
Se quer mesmo saber, senhor: deixe a Inglaterra; largue os computs e chegue de
forma pontual, presencialmente, ao seu local de trabalho. Mude-se para uma
daquelas casinhas, com ou sem teto, leve a família e viva com as mesmas
economias que o velhos do local. E não leve só a famelga, leve os donos, os
acionistas…. Troquem de lugar com o povo numa semanita mesmo que de vento de dia bom.
Por
fim, lamento a decisão da IAPMEI de não efetuar nova vistoria: as análises
estavam boas e a empresa mandou fotos de um funcionamento com zelo. As que os
velhos tiram devem ter ido parar ao lixo. Discriminação? Não falamos de idosos; falamos
de velhos. Irra que nunca mais morrem!
Ainda
me estão a ler? Pensam que já terminei? Não. Há uma questão que me assola. Temos
o maior lagar do mundo; o melhor azeite, premiado não sei onde.
Falta a
explicação dos “Azeites de Portugal” : as hortas morrem e o que lá se produz é incomestível; o que
fazem ao diabo das azeitonas que, produzidas mesmo ao lado, as dizem tão boas,
tão boas? A couves vão para o lixo e as azeitonas reluzem saúde e bem estar? Será que é mesmo bom o azeite?
Serão só quarenta velhos condenados à morte ou serão os primeiros de nós?
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Sem
sorrisos
Guida
Brito