sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Borda d’Água 1945- “ Reportorio util a toda a gente”


“-Maria, quando calha a lua nova?
- P’éra aí q´ê vô bscar o Borda d’Água.”

Meticulosamente guardado numa das arcas da casa (aquela que guardava os lençóis das visitas, a roupa nova para o dia de feira ; a camisa preta para o funeral do vizinho; o fio de ouro de três voltas e o talego do dinheiro), o Borda d’Água continha tão preciosas informações, indispensáveis à sobrevivência, que era certo e sabido que o seu vendedor, no dia da feira de Castro, rapidamente os esgotava. 


Este almanaque, criado em 1928, aliava a  sabedoria popular, a ciência e a astrologia; talvez por isso os seus prognósticos fossem tão certeiros e tão imprescindíveis na vida do agricultor; na vida das moças novas e casamenteiras (ali consultavam, no seu  Oráculo, as características dos homens nascidos no mesmo mês que o jovem pimpão que as cortejava - bom marido ou aldrabão?); no saber antecipado se era a chuva ou o sol que visitava o monte em dia de colheita ou festividade.


Lembro-me dos bailes de mastro, quando as ruas eram enfeitadas de balões, fitas e bandeirinhas de papel: a sua colocação, nas ruas, era orientada, de forma certeira, por este folheto preciso e com poderes quase divinos em matéria de adivinhação. Não lhe chamarei feiticeiro mas “o grande chefe da aldeia” pela forma como era cumprido e seguido. 


Apresentava-se como bom lembrete da visibilidade planetária, das feiras, festividades e romarias; revelava-se indispensável, cá p’rás bandos do Alentejo - no que se referia a plantios, mondas, sementeiras e “enxertos” das plantas de grande porte. 


Calendário Israelita, marés… uma enciclopédia informática apesar da sua diminuta dimensão: o computador da era antiga- com mais bits e “quilokapas” que o que manuseamos e comprámos na promoção da esquina. Enfim: “Reportorio util a toda a gente” ; como referia a sua capa.


Descobri nos meus caixotes do tudo guardo: o Borda d’Água de 1945. Fascinante! Partilho convosco o Juízo do Ano, realçando as partes que desejo que não se concretizem em 2017- já que por Terras do Mui Nobre Portugal os tons cinza enlutaram as suas gentes e ditaram a total devastidão de onde deveria vir o pão.

“… trigo ve-lo-ão por um óculo, o milho, a fava e tudo mais que se come atinge o valor das pedras preciosas por isso hão-de aparecer colares de grão, anéis de lentilhas, broches de ervilhas e assim por diante…”


Sorrisos
Guida Brito

1 comentário:

  1. Precioso este Almanaque. Ainda agora pela feira de castro meu compro o Borda de agua. Um habito que via fazer aos mais antigos e ficou comigo. Parabéns Guida.

    ResponderEliminar