Com pequenas flores ou cornucópias, em tons de azul e
branco, comprava a minha avó restos de tecido. Uma vez no ano,
antes da feira de Castro, fazia duas camisas. De saias: uma lhe bastava- um
azul ou cinza, escuros, eram as suas cores prediletas. Não sei se a escolha de cores não dependia da imposição
da moral da aldeia- já que todas as vizinhas me pareciam iguais de vestimenta. Camisas
e calças janotas eram meticulosamente elaboradas e assim vestia o meu avô, em
dia de vender as mulas e as vacas. À feira não se ia que não fosse de roupa
nova (dia de ajuntamento da região e do abraço aos primos e compadres- que há
muito não se viam). Já a vizinha, moça nova, lhe pedia um vestido (em tom de
favor) com o tecido de grandes flores que lhe ofereceram e veio do estrangeiro.
É que os rapazes iam todos gaiteiros e precisava ir toda jeitosa. Na azáfama
que antecedia a feira, caiava-se a casa; com chitas e cretones substituíam-se as
saias das arcas e o bancal da cozinha. Se fosse caso disso, ainda se comprava o
resto da peça de riscado (mais barato porque tinha defeitos); substituíam-se os
velhos colchões de lã e afofava-se o de palha.
Não! Shiiiiii! Santa Barbatana! Vocês não sabem o enlevo de dormir nos colchões
afofados e nos lençóis lavados na ribeira. Ainda sei o cheiro e a doçura de uma
noite bem dormida.
De tudo isto, sobravam pequenos bocados de tecido: pacientemente,
com as suas mãos enrugadas, cortava, ao
serão, pequenos quadrados de tecido. Com a ajuda das crianças torciam-se linhas
de fazer as meias. Lembro com saudade a seca do “não te mexas”; ali ficava eu,
de dedo esticado, completamente imóvel: não fosse estragar o dito cordão. Alinhavados
e cosidos, os restos de tecido deixavam antever os “talegos”. Os grandes para o
pão; os pequenos para o dinheiro.
Hoje, são meus os velhos “talegos”: alembradura dos bons e
deliciosos momentos.
Sinto
a falta da minha avó: dos cinco tostões, do beijo, dos recados, da voz que
imitava o rude. Sinto falta de quem me sabia tão bem; saudades da dura côdea na
gaveta da mesa da cozinha; e, das sobras do quem nada tem e a ainda sobra para a
menina.
Sorrisos
Guida Brito
Sorrisos
Guida Brito
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