quinta-feira, 2 de março de 2017

Parafusos soltos e vestidos por arrumar





Contos e crónicas - Navegantes de Ideias

Um parafuso solto, qualquer que seja o seu tamanho, não constitui um problema grave; qualquer mulher sabe que uma lima de unhas, um garfo, uma colher, uma tampa de lata vazia ou o que se lhe assemelhe resolve o problema: olhamos o tamanho do dito e sabemos, de imediato, qual o objeto (que se situa nas imediações) que cabe na ranhura e o aperta até à exaustão. Verdade? 



Em último caso: qualquer faquinha resolve os mais atrevidos que decidem avançar sem autorização; não cabem no buraco ou, simplesmente, decidem não funcionar. 

Eles não; eles necessitam comprar um móvel,  retiram os nossos vestidos dos armários e pensam em mudar de casa. Cheguei à simples conclusão que os homens são todos iguais (funcionam todos da mesma forma); basta-nos escolher o embrulho e tentar esquecer o interior repleto de nunca sabemos o quê.

Acho que tudo acontece ao fazerem 18 anos; nós somos mulheres desde que nascemos: habituamo-nos a resolver com a prata da casa, a orientar e a solucionar sem que, para o consumar, necessitemos de parar o mundo e ver como está a lotação no planeta ao lado. 



Nós resolvemos;  eles gastam-nos o tempo e a nossa paciência se não aprendermos a sorrir cada vez que se solta um parafuso- seja ele fácil ou difícil de enfiar no buraco.

Soltou-se um parafuso cá em casa: eu vi mas o Carnaval… decidi que sambar na avenida (mesmo que vestida de cogumelo) seria muito mais sorridente do que pôr o atrevido no lugar, por meio de meia dúzia de torcedelas.

Esqueci-me  que o homem da casa já fez 18 anos e, ultimamente, faz jus ao número que ostenta com cara de gente feliz. Viu o parafusinho e pensou exatamente isso: sou o homem da casa. Retirou o dito; retirou a bucha; retirou a calha; escangalhou a persiana que deixou de funcionar e anda atrás de mim, há dias, para irmos comprar um parafuso. Hoje, foi o dia.


Impensável ir a uma loja onde tudo é mais barato: “Mãe, não são de qualidade”. Acedi; embora ciente que eu  tinha apertado aquela coisa e não comprava cousa nenhuma. Lá pediu o menino o que por acaso não havia: só mais comprido. Pergunta-lhe o dono do botequim (homem - o embrulho é que era diferente):
- Podes cortar; tens uma serra elétrica?
- Quanto custam?
Ai! Ai, ai, ai, ai! A porra do parafuso vai esgotar o saldo do mês, dos meses seguintes e estragar-me as férias. Comecei a ver as Lofoten lá muito longe mas  jamais pensei que um simples parafuso me obrigasse a comprar móveis e a mudar de casa.  Recusei a compra da serra e sugeri que experimentassem se o diabo do parafuso cabia no buraco da porca que parecia com profundidade suficiente para o receber, mesmo que comprido. E cabia, servia na perfeição. Não satisfeito, o homem da minha casa pediu uma bucha nova; betume para tapar o buraco na parede que, entretanto, tinha alargado e arame para dar uso a uma máquina de soldar que tinha acabado de comprar.

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Não havia betume, o senhor sugeriu prego liquido (as coisas que eu oiço por ter sambado na avenida). O prego líquido era ótimo mas necessitava de comprar uma pistola para o poder usar; era excelente ter um berbequim para esburacar depois de tapar. Não sei como me contive para não gritar;  apeteceu-me chorar os sorrisos que larguei enquanto sambava longe do parafuso que podia ter torcido e não torci. Nem vos conto a parafernália de ferramentas e afins que  me entrou pela casa adentro devido a uma simples torcedela que eu devia ter dado e não dei. Satisfeito, o meu mais que tudo cá da casa sugeriu:
- Mãe, preciso de um móvel para colocar as minhas ferramentas. O melhor sítio para as colocar era no teu armário, retiras os teus vestidos. O ideal seria trocar de casa: mais um quarto fazia-nos muita falta.





Não sabem vocês que começamos com uma simples chave de fendas que por não caber em todos os parafusos foi substituída por um conjunto delas; que, por sua vez, também foi substituído por um conjunto de qualidade. Sendo tudo isto insuficiente para responder à necessidade de apertar um parafuso, por ano, adquiriu algumas facas cheias de utensílios que poderá, um dia, necessitar: tudo isto acompanhado por uma caixa de ferramentas. Face à necessidade de organização, a Caixinha  já se torna insuficiente, requer a mudança de casa.

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Perguntam vocês: o parafuso está no lugar? Não, entretanto a fita partiu-se e é preciso comprar. Pensando bem acho que nem sequer quero o parafuso no lugar: se vou mudar de casa não preciso da persiana a funcionar.

Aposto que o tema do próximo Carnaval é “ Parafusos soltos e vestidos por arrumar” ou " Desenroscou-se um parafuso? Temos casas para alugar."
Sorrisos
Guida Brito

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