Em meados de
outubro, mais cedo do que nunca, ofuscaram por entre as prateleiras dos
supermercados, as luzes de que todos se queixam mas que interiorizam como o
verdadeiro espírito natalício.
A consoada que ditará os excessos na mesa (mais do que se consegue consumir), os objetos que um dia serão lixo, os plásticos que serão oceano, o brilho dos gastos energéticos e os afins, que são tão pouco, atraem-nos o olhar e impedem a visão de realizar a sua função: ver; ver o outro, ver o essencial.
Entre os desabafos
do “Que horror! É tão cedo!” sonhamos o consumismo desenfreado e caminhamos de
forma robótica entre as queixas do excesso de tudo e a falta do preciso de mais.
Não nos definimos enquanto seres humanos.
Há dois mil e dezanove anos, Maria engravidou. Todos a viram e, mesmo sendo o bebé filho do Espírito Santo, José assumiu a paternidade. Maria pariu num estábulo e o bebé foi colocado na manjedoura. O bafo dos animais aqueceram-no e a Luz avisou o Mundo.
Chegaram as gentes, chegaram os pastores, chegou a aldeia, chegaram os Reis… e,
segundo reza a história, a entre-ajuda, sem juízos de valor, permitiu a vida de
um bebé condenado a um fim demasiado precoce.
Hoje, Sara engravidou.
Durante nove meses, grávida, dormiu na rua e pariu na LUX (local afamado e local de passagem de muitos e muitos).
Não havia
manjedoura, colocou o bebé no contentor do lixo (o local mais quente da zona).
Sara não teve a sorte de Maria: ninguém provou que acredita no Espirito Santo;
ninguém assumiu a paternidade; ninguém a viu grávida dormindo no meio da rua; a
LUX (lugar de culto de milhares de adeptos), apesar do brilho,
desviou o olhar do milagre da vida que ali acontecia. Não houve Reis, não houve Presidentes, não houve Ministros, mas houve milhares de animais que a ignoraram
– bufando, provavelmente, de costas para o milagre de uma vida que cresceu,
durante nove meses, no chão das ruas de Lisboa.
Maria é Santa; Sara
é Put#.
Sem sorrisos
Guida Brito
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