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sábado, 1 de fevereiro de 2025

Quantos planetas quer comprar?

 


 

Relembro, com saudade, a minha infância; na sua simplicidade: do não tenho nada, mas tenho tudo. A convivência cúmplice com a Natureza, refletia-se no meu olhar e na pureza do meu sorriso.                                                                                                                                                       Vivia dos recursos da Mãe Natureza, com total respeito pela sua existência. Lá em casa, sem contar o Jolie (um cão inexplicável), éramos 4 e dormíamos no único quarto, em duas camas: o mano dormia com o pai e eu com a mãe. A cozinha tinha dois metros quadrados e o restante espaço estava equipado com a mercearia e a taberna. Os produtos comprados eram embrulhados em papel manteiga (no qual, se efetuavam os cálculos) ou colocados, diretamente,  nos talegos do cliente.

  

Nessa época, chamavam-nos país subdesenvolvido. Já em tenra idade questionava essa palavra (assim como outras). Lembro-me de ser eu, um eu solitário: não conseguia duvidar do que sentia, do que pensava e que tanto distava dos que me rodeavam. Em dias de excelência, caminhávamos ao encontro da ribeira, na qual obtínhamos tudo o que necessitávamos: lavávamos a roupa, com sabão azul, que regressava a casa meticulosamente dobradinha e divinalmente cheirosa; ali, na ribeira, tinha lugar o tradicional banho semanal; o pai apanhava o peixe para o jantar; a mãe, enquanto as roupas secavam, recolhia as ervas que o aromatizavam. Se o dia se rasgava em sorriso, a noite… a noite adormecia em puro deleite. Completamente para lá da minha existência, em transe, deitava-me na cama de colchão de lã de ovelha, bem afofadinho, adornado pelos lençóis lavados na água da ribeira. O seu cheiro impregnava-me os sentidos e garantiam uma noite bem dormida. 

Num uso correto, a ribeira, a flora, a fauna… seguiam o seu caminho e, rapidamente, recompunham-se, renovando-se em vida rejuvenescida.

Sempre soube que aquele correto, era, normalmente, nomeado como pobreza.

Hoje, não há vida nem banhos na ribeira; as noites são corriqueiras, enjoadas pelos produtos que contaminam o que nos é vital e tentam imitar a doçura do inigualável: Cheiro da ribeira.

Quando caminhámos, a passos que se queriam largos e rápidos (pura ganância e excesso do que tanto sobeja e já não sei onde colocar), na rota do desenvolvimento e em nome da economia, quebrámos o elo com a mãe Natureza e, cada vez mais, a velocidades inimagináveis, destruímos tudo o que é inimitável para a sobrevivência dos seres vivos.

Hoje, constatando a crescente influência das ações humanas, insustentáveis para a biodiversidade, é de extrema urgência: intensificarmos os esforços de conservação, para revertermos os impactos ecológicos negativos e evitar a extinção da vida (tal como a conhecemos) no planeta terra. Para isso, é necessário a conscientização da necessidade de agir, de legislar e desenvolver ferramentas que permitam lidar, de forma eficaz, com as questões ambientais.

Em primeiro lugar, devemos entender a biodiversidade: não só como a grande variedade de formas de vida (animais e vegetais) que são encontradas nos mais variados ambientes e a sua interação; mas também a diversidade genética que cada indivíduo transporta no ADN. Nesse contexto, seres da mesma espécie podem ser imunes a determinadas doenças que para outros são fatais. Se pensarmos no Alentejo, é fácil perceber que estamos a escassas unidades de tempo da desertificação total; as culturas hiperintensivas ocupam milhares de quilómetros quadrados, tendem à exploração  exorbitante do território e dos seus recursos. O mais problemático, é o facto de todas as plantas serem clonadas; ou seja, não existe variedade genética nos indivíduos da mesma espécie; perante qualquer fungo ou doença que atinja um indivíduo, fará com que todos os indivíduos morram; deixando milhares de quilómetros quadrados sem qualquer tipo de vida; após a sobeja utilização  de químicos, na tentativa de travar a caminhada da doença, que poluem os solos e as reservas de água nos lençóis freáticos.

Aliado à clonagem, deparamo-nos, além de outros, com dois problemas que são igualmente amigos da desertificação do planeta: os fertilizantes utilizados nestas culturas e o plástico.

Os fertilizantes são usados em excessiva abundância, escorrendo para os cursos de água e para os oceanos; permitindo, além da ocorrência de doenças graves nos seres vivos (por contacto direto), a morte por falta de oxigénio. Devemos pensar no que ocorre numa grande zona do Oceano Pacífico: o excessivo uso de fertilizantes, ditou a fácil reprodução do fitoplâncton, de forma absurda. Na busca de alimento fácil  ocorreram,  a essa zona, demasiados seres vivos que o consomem e, por consequência, os seus predadores. O aumento brutal de indivíduos, na mesma zona, esgotou o oxigénio e ditou a morte de todos os seres vivos presentes.  O mesmo ocorre nos rios, ribeiras, lagos…

O plástico, uma substância não-natural, resultou de pesquisas e experiências químicas; surgiu com a finalidade de substituir outros recursos que já estavam a tornar-se escassos na natureza, ou inviabilizaram a produção em escala industrial.

O plástico substituiu com vantagens uma série de matérias-primas utilizadas pelo homem há milhares de anos, como o vidro, a madeira, o algodão, a celulose e os metais.  

Hoje, o plástico é indispensável para a evolução de qualquer segmento e para a economia dos países.

Não consigo esquecer a minha visita ao Nepal: milhares e milhares de sacos, cheios de plástico, formam muros e amontoados, difíceis de entender pela sua dimensão. Além disso, são as fogueiras de plástico  que aquecem, os que vivem numa pobreza dolorosa, e lhes permitem realizar algumas refeições.

Na Somália, os vendedores de rua pagam 50 dólares por cada saco de roupa, gentilmente doados, principalmente, pelo povo americano. Basta olhar as diferenças corporais, dos habitantes dos dois países, para perceber que a Somália recebe lixo - que poluí o seu país e é responsável por graves reflexos na biodiversidade. Um povo é fruto do excesso alimentar e o outro fruto da carência alimentar.

Todo o plástico que já foi produzido, continua presente no Planeta, a grande maioria transformou-se em microplásticos que, ao entrarem na cadeia alimentar, ameaçam, gravemente, a vida marinha e os seus predadores. Como não é digerido, fica retido nos organismos e os indivíduos sucumbem por fome.

A pressão industrial sobre os governos, ditou a resolução, deste gigantesco problema, para o consumidor final: os 3R’s (reduzir, reutilizar e reciclar). Algum de vós pensa que esta é uma medida suficiente, que irá diminuir a quantidade inimaginável de plástico, no nosso planeta? O plástico continua a ser produzido a uma velocidade astronómica. Será que a política dos 3R’s é suficiente para exterminar este produto? Não me parece. As medidas apropriadas têm que reeducar todos os governos, toda a indústria e todos os consumidores.

Eu, Guida Brito, mesmo que carregue com cestinho ou talego para comprar os “não tenho plástico”, olho em redor, em qualquer loja ou hipermercado, e não encontro produtos isentos de plástico.

Haverá solução para reverter os efeitos nefastos da forma de agir dos seres humanos? Sim. Há. Temos, no Mundo, alguns bons exemplos de que é possível retroceder o que se advinha inevitável.

Estaremos nós (seres humanos, indústria, governos…) prontos para abdicar da nossa dependência do consumismo e do facilitismo? Não podemos esquecer que estamos a viver a crédito; por exemplo: o Luxemburgo, no dia 24 de fevereiro (de cada ano) já esgotou todos os seus recursos naturais, vitais para a existência de vida; a Europa esgota-os a 4 de maio; os Norte-americanos a 15 de março; os países das “Arabias”, ao imitar, no deserto, a flora dos países tropicais, esgotam os seus recursos nos primeiros dias de janeiro. Para sustentar o nosso estilo de vida, necessitaríamos de 2,8 planetas.

Contrariamente  ao que pensamos, se vivêssemos em Cuba, os recursos esgotar-se-iam a 1 de dezembro, se vivêssemos na Nigéria viveríamos felizes até ao Natal, dia 25 de dezembro…

Se nos queremos salvar, se queremos o abrigo da Mãe Terra, temos, a meu ver, duas soluções: comprar dois ou três planetas; ou utilizar as técnicas ancestrais que permitiam a sustentabilidade.

De facto, muitos países e regiões estão a realizar um excelente trabalho a nível da sustentabilidade, utilizando as técnicas ancestrais. Proibiram os arrastões, a pesca é realizada apenas por pequenas embarcações, pescam menos e vendem os produtos mais caros, desenvolvendo uma economia sustentável; aplicam técnicas de “poisio”, dividem as regiões em 3 partes, só podem pescar numa delas e todos os anos mudam o local de pesca, permitindo que a Natureza se recomponha. Muitas espécies que estavam na lista “em vias de extinção” recuperaram e, hoje, existe um equilíbrio perfeito entre as espécies.

Podia alongar-me muito mais, muito há por dizer e ensinar no que diz respeito à biodiversidade e ao equilíbrio na Mãe Natureza; deixo-vos apenas duas perguntas: terá a minha infância sido pobre?  Acha viável a compra de dois planetas?

PS; a fotografia que ilustra a publicação não é um lugar poluído; foi tirada no Deserto da Namíbia, palco de uma biodiversidade inigualável.                                                   Sem sorrisos

 Guida Brito

 

terça-feira, 26 de setembro de 2017

As chitas , o riscado, o cretone, o vestido da vizinha e as camisas da minha avó: “talego”


Com pequenas flores ou cornucópias, em tons de azul e branco, comprava a minha avó restos de tecido. Uma vez no ano, antes da feira de Castro, fazia duas camisas. De saias: uma lhe bastava- um azul ou cinza, escuros, eram as suas cores prediletas. Não sei se a escolha de cores não dependia da imposição da moral da aldeia- já que todas as vizinhas me pareciam iguais de vestimenta. Camisas e calças janotas eram meticulosamente elaboradas e assim vestia o meu avô, em dia de vender as mulas e as vacas. À feira não se ia que não fosse de roupa nova (dia de ajuntamento da região e do abraço aos primos e compadres- que há muito não se viam). Já a vizinha, moça nova, lhe pedia um vestido (em tom de favor) com o tecido de grandes flores que lhe ofereceram e veio do estrangeiro. É que os rapazes iam todos gaiteiros e precisava ir toda jeitosa. Na azáfama que antecedia a feira, caiava-se a casa; com chitas e cretones substituíam-se as saias das arcas e o bancal da cozinha. Se fosse caso disso, ainda se comprava o resto da peça de riscado (mais barato porque tinha defeitos);  substituíam-se os velhos colchões de lã e afofava-se o de palha.


Não! Shiiiiii! Santa Barbatana! Vocês não sabem o enlevo de dormir nos colchões afofados e nos lençóis lavados na ribeira. Ainda sei o cheiro e a doçura de uma noite bem dormida.
De tudo isto, sobravam pequenos bocados de tecido: pacientemente, com as suas mãos enrugadas,  cortava, ao serão, pequenos quadrados de tecido. Com a ajuda das crianças torciam-se linhas de fazer as meias. Lembro com saudade a seca do “não te mexas”; ali ficava eu, de dedo esticado, completamente imóvel: não fosse estragar o dito cordão. Alinhavados e cosidos, os restos de tecido deixavam antever os “talegos”. Os grandes para o pão; os pequenos para o dinheiro.
Hoje, são meus os velhos “talegos”: alembradura dos bons e deliciosos momentos.
      Sinto a falta da minha avó: dos cinco tostões, do beijo, dos recados, da voz que imitava o rude. Sinto falta de quem me sabia tão bem; saudades da dura côdea na gaveta da mesa da cozinha; e, das sobras do quem nada tem e a ainda sobra para a menina.

Sorrisos
Guida Brito

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Borda d’Água 1945- “ Reportorio util a toda a gente”


“-Maria, quando calha a lua nova?
- P’éra aí q´ê vô bscar o Borda d’Água.”

Meticulosamente guardado numa das arcas da casa (aquela que guardava os lençóis das visitas, a roupa nova para o dia de feira ; a camisa preta para o funeral do vizinho; o fio de ouro de três voltas e o talego do dinheiro), o Borda d’Água continha tão preciosas informações, indispensáveis à sobrevivência, que era certo e sabido que o seu vendedor, no dia da feira de Castro, rapidamente os esgotava. 


Este almanaque, criado em 1928, aliava a  sabedoria popular, a ciência e a astrologia; talvez por isso os seus prognósticos fossem tão certeiros e tão imprescindíveis na vida do agricultor; na vida das moças novas e casamenteiras (ali consultavam, no seu  Oráculo, as características dos homens nascidos no mesmo mês que o jovem pimpão que as cortejava - bom marido ou aldrabão?); no saber antecipado se era a chuva ou o sol que visitava o monte em dia de colheita ou festividade.


Lembro-me dos bailes de mastro, quando as ruas eram enfeitadas de balões, fitas e bandeirinhas de papel: a sua colocação, nas ruas, era orientada, de forma certeira, por este folheto preciso e com poderes quase divinos em matéria de adivinhação. Não lhe chamarei feiticeiro mas “o grande chefe da aldeia” pela forma como era cumprido e seguido. 


Apresentava-se como bom lembrete da visibilidade planetária, das feiras, festividades e romarias; revelava-se indispensável, cá p’rás bandos do Alentejo - no que se referia a plantios, mondas, sementeiras e “enxertos” das plantas de grande porte. 


Calendário Israelita, marés… uma enciclopédia informática apesar da sua diminuta dimensão: o computador da era antiga- com mais bits e “quilokapas” que o que manuseamos e comprámos na promoção da esquina. Enfim: “Reportorio util a toda a gente” ; como referia a sua capa.


Descobri nos meus caixotes do tudo guardo: o Borda d’Água de 1945. Fascinante! Partilho convosco o Juízo do Ano, realçando as partes que desejo que não se concretizem em 2017- já que por Terras do Mui Nobre Portugal os tons cinza enlutaram as suas gentes e ditaram a total devastidão de onde deveria vir o pão.

“… trigo ve-lo-ão por um óculo, o milho, a fava e tudo mais que se come atinge o valor das pedras preciosas por isso hão-de aparecer colares de grão, anéis de lentilhas, broches de ervilhas e assim por diante…”


Sorrisos
Guida Brito