quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Incêndio em Sines- a culpa é nossa


Nenhuma das minhas fotos consegue demonstrar as gigantescas dimensões do incêndio que, hoje, deflagrou em Sines. Incêndios de grandes dimensões, nos quais há muitas vítimas mortais, são já usuais por terras de Portugal. Parece que nos habituámos a números grandes e convivemos de forma pacata como se fossem cousa pouca; perdoamos, de forma amistosa, erros tão gravosos aceitando cordialmente a sua continuidade. 



Refiladela aqui ou acolá: zangamos-nos com o vizinho que dista da nossa opinião mas continuamos alapados no lugar do não faço nada; omitimos gestos que em tanto fariam a diferença.


Hoje, um incêndio, de grandes proporções, deflagrou numa empresa de pneus; ao lado de um complexo petroquímico; junto a uma escola; numa cidade com subterrâneos; onde há "milhentas" canalizações de tudo o que arde bem e monstruosos depósitos cheios de gás. Contrariamente ao que poderíamos pensar: a estrada não foi cortada;  a cidade não foi alertada para as atitudes a adotar; e muito menos ocorreu uma evacuação. Duas atitudes nos chegaram: em hora tardia foi dito não sei a quem (habito aqui e nada me chegou) que as pessoas com problemas respiratórios deviam ficar em casa (sim, nas nossas casas não entra gás); e os jovens foram enviados, pontualmente para a escola. Falamos de jovens transportados pelas entidades públicas: pontualmente, à hora x, estavam no centro do incêndio, dos gazes e do negrume. E lá ficaram durante umas horas.
O incêndio continua ativo e a população sujeita aos perigosos gazes; nada de anormal se passa em Sines: as televisões abriram os jornais com as acusações de corrupção de José Sócrates (acho que foi político e nunca percebi se era engenheiro; sei que assinava como se fosse).


Estamos neste ponto: enviamos jovens para incêndios; enviamos crianças para escolas inauguradas sem estar concluídas para ganhar eleições ( ignorando a perigosidade dos milhares de objetos por ali deixados e outros que nem me apetece lembrar); admitimos obras em convivência com crianças de tenra idade;  admitimos que se tapem buracos mesmo que fiquem ocos; escolhemos políticos acusados de corrupção… admitimos tudo infelizes, apenas, com o desempenho do trabalho do vizinho.
Os enfermeiros queixam-se e não lhes damos razão. Ou seja; os enfermeiros dizem que não conseguem tratar da nossa saúde com as condições de trabalho presentes: nós (que não percebemos nada de saúde) obrigamos-los a continuar e entregamos, nas suas mãos, as nossas vidas e a dos nossos filhos. Os professores do primeiro ciclo dizem que ocupam a maioria do seu tempo em atividades que nada têm que ver com a transmissão de saberes; confessam o seu esgotamento por excesso de trabalho: nós (que não percebemos nada de educação) obrigamos-los a continuar; damos razão às medidas que os professores dizem que violam  a qualidade de vida dos nossos filhos. Os mineiros…. nós pimba. Os médicos… nós pimba. Pimbamos tudo; achamos certo tudo o que minimiza as condições  humanas de trabalho. 
Tudo o que é visto de longe é pequenino. Até o incêndio.


Controlamos tudo para que sejam infelizes: gente infeliz é a gente que melhor trabalha. E depois entregamos-lhe os filhos, as vidas, a justiça e queremos…. Não sei o quê.
Caramba! Viramos-nos contra os que trabalham e achamos que sabemos tudo: educação, saúde, justiça…. Não há ranking que não seja nosso: somos o povo mais culto do planeta. Percebemos mais da profissão do vizinho que da nossa. Deve ser por isso que muitos controlam: a hora de entrada do professor, do enfermeiro, da repartição de finanças, do médico, do vizinho na casa do lado, quanto ganha, se tem alguma regalia... Devem ser por isso que muitos gritam com esta gente que só quer ter condições para realizar o seu trabalho de forma competente. Grita-se em forma de superioridade com os que, no momento, estão em desigualdade ou inferioridade; grita-se na morosidade da fila a incompetência da funcionária e não a escravatura a que é sujeita pelo patrão. Não exigimos saúde, educação, justiça ou qualidade de vida: aniquilamos profissionais isolados. Aniquilam-se os que trabalham; admitimos a corupção e a existência de medidas que nos retiram os poucos sorrisos que a vida oferece. Os profissionais estão cansados de vos dizer que as condições a que os obrigam não são permissivas de realizar mais ou melhor. Estão cansados de vos dizer que não aguentam e que a sua produtividade diminuirá com a continuidade do presente.


Oh! Santa Barbatana! Eu (que sou pequenina e muito) penso que era hora de acabar com políticos com suspeição de corrupção e mais umas coisas. Era hora de proteger os trabalhadores e acabar com os idiotas que, sem estudar, têm tantas competências em áreas tão vastas  que nunca exerceram.
Se eu deixar de controlar o vizinho e exigir, do meu país, medidas que me protegem: provavelmente, é isso que terei. Se eu continuar a controlar o vizinho: provavelmente, irei ser despedida porque me atrasei dez minutos, no trabalho, no dia em que o meu filho chorou.


O incêndio de Sines, não fez milhares de vítimas porque o vento levou a fagulha para o lado contrário. Nós fizemos tudo para que assim não fosse: até lá colocámos os jovens para arder tudo de uma vez.

Os animais fogem e nós enviamos os filhos.
Só penso: não quero passar o Natal com o Senhor Presidente da República; quero o meu filho a meu lado.
Hoje, não sorrio.
Guida Brito

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Igreja de Santa Bárbara dos Padrões- Castro Verde


Se no exterior o branco cal contrasta com o azul do céu, no interior as cores são vivas. No alto do monte, madruga antes da aldeia e cumprimenta quem ali se desloca. Guarda em si um segredo que, apesar de descoberto, encerra nas suas profundezas. Ao lado são notórias as escavações que deram origem à descoberta do maior depósito de lucernas- em exposição no melhor museu do mundo (pelo trato do arqueólogo presente e pela forma como nos conta as histórias com história). O museu é em castro Verde e merece uma visita.

Mas falava dos segredos da igreja: a sua existência e a do cemitério que a ladeia impediram a continuidade das escavações; sabe-se que foram construídos por cima de um dos maiores povoados romanos; cujos templos nos surpreenderiam. A igreja é linda e o lugar surreal.
Deslumbre-se com as fotografias.







Sugestão de leitura: 


Sorrisos
Guida Brito

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A cal, o café, o jantar e a batata frita


Existia um junto ao fogo da cozinha. Lembro, com saudade, as rotinas de outros tempos. Na casa da minha avó materna, o madrugar recolhia as cinzas da noite. 



As brasas vivas aguardavam na velha pá enquanto o pincel, elaborado pelas mãos meu avô, mergulhava várias vezes no balde e, suavemente, percorria as paredes da cozinha - todas as manhãs, se pintavam as paredes da cozinha. 

De brasa ao centro, as farripas de esteva faziam pegar fogo a três madeiros: um maior (duraria todo o dia) e dois menores e mais estreitos. 



Na velha escolateira ou na panela de barro, aquecia a água para o café da manhã (uma mistura de puro com cevada). 

Ao lado, a panela de ferro, gorda e preta, iniciava o aquecimento das águas para lavar a loiça ou para o banho de domingo. Se o dia fosse de geada: um velho púcaro transportava, com estremo cuidado, o quebra gelos da pele facial. 


A azáfama não ficava por aqui: grãos ou feijão, um pouco da carne que se retirava da salga, um fio de azeite e um bom pedaço de toucinho mergulhavam na água de outra panela de barro -  era o início do jantar que se comia ao almoço. Do café da manhã, restavam as côdeas; num gesto já inato, guardavam-se, religiosamente, na gaveta da mesa da cozinha - eram para a menina.

Em casa da minha avó paterna, o ritual do madrugar trazia consigo adaptações às vivências da casa: já nesse tempo, cada um tinha o seu horário. 


Ao fogo, podíamos, sempre, encontrar cinco panelas de barro: uma para o avô; outra para as mulheres da casa; outra para o Eduardo e para o João; outra para o Arnaldo; outra para o Mário. Ainda havia, por lá, a do café e a pequena panela de ferro.


Quando a menina abria a porta de casa, arredava-se a tacharia e colocava-se, no centro, a trempe, a qual segurava uma sertã com azeite a aquecer. A velha faca, gasta pelo uso, descascava uma grande batata e, bem cortadinha, aos cubos, fritava-se o petisco da netinha.

 A Equipa dos Navegantes de Ideias agradece o carinho dos nossos leitores; cada dia mais surpresos face a um número  que já nem sabemos ler (Shiiiii! Santa Barbatana). Muito obrigada.

 Sugestões de leitura: 

https://navegantes-de-ideias.blogspot.pt/2017/08/do-cabo-sardao-ponta-das-barcas-rota.html


Sorrisos
Guida Brito

domingo, 8 de outubro de 2017

Porque é que fotografas o que é velho?


Fotografo o que está vivo na minha memória; fotografo com sentido. Sei de onde venho e o que me fez. Sei quem sou e recordo-me numa vida que me faz feliz. Relembro os passos, os sorrisos e os afetos. Abraço o que faz parte de mim.

Uma simples tenaz transporta-me ao outono. Enquanto se apanham as estevas que engrossarão o manturo, surrupiam-se meia dúzia de doces bolotas. As noites que se lhe seguem são de jogatina de cartas ou dóminó ; enquanto, entre o cheiro e a cinza da esteva e do sobro, se assam este frutos cujo aroma e sabor superam a castanha (inexistente por terras do Alentejo). 


No quentinho da fogueira, é a tenaz que vira e revira impregnando a memória de paladares inesquecíveis. Lembro-me da braseira e da mesa com buraco, da toalha em forma de saia. 



Se no outono caiem as primeiras chuvas: sinto o cheiro da terra molhada; lembro a corrida para esvaziar o estendal;  a apressada caminhada entre a casa do fogo e a casa principal; o velho pote de cal que todas as manhãs pintará a cozinha; as pedras para esmagar as azeitonas e os velhos potes onde se adoçam… 


Recordo os orégãos e a corrida, entre gotas de chuva, para apanhar o hortelã (tarefa dos miúdos; num tempo em que os abafos ou casacos se substituíam por fugidas). 


A memória prova-me, a cada instante, que sou alentejana e mantém em mim o afago que me une ao meu pai e aos meus avós.
A Equipa dos Navegantes de Ideias agradece o carinho de todos os que nos lêem, partilham e nos abordam felicitando o nosso trabalho. Se gostou, leia também:


Sorrisos

Guida Brito

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Santa Margarida da Serra


      Uma hora sem compromissos ditaram um deambular por Santa Margarida da Serra- uma pequena localidade no Concelho de Grândola. Perfeitamente enquadrada na paisagem, mantém o traçado do antigo Alentejo. As cores, os montes, as ruas limpas e caiadas, a paz, a calma, o cumprimento dos habitantes... um Alentejo puro e doce.
Viagens com sentido

Os Navegantes de ideias agradecem o carinho dos que nos visitam, lêem e partilham. Se gostou desta fotografia, sugerimos:



Ficam os hotéis se pretender pernoitar

Sorrisos
Guida Brito

Imperfeição perfeita

    O que nasce tordo: tarde ou nunca se endireita- diz o povo. E ainda bem- digo eu. O diálogo nasce da discórdia e das diferenças. Que graça teria o mundo se fossemos chapa 4 de um molde que mesmo velho e ferrugento não deformasse ? Igualdades só nos direitos e adaptados à diferença.
   Para os mais cépticos: coloco o  horizonte onde eu quiser. 
   Oh! Santa Barbatana!
Sorrisos
Guida Brito

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Um mundo só meu

                                                                         in Amesterdão
     Um mundo de paz, calma e nuvens. Adoro esta foto pela tranquilidade que a envolve. Era de madrugada e apenas os pedais se faziam ouvir: uma manhã com sentido. Viajar é isto: beber as horas impróprias dos locais desgastados pela azáfama do excesso de gentes e sons.
     Quero perder-me no silêncio dos locais incomuns.
Sorrisos
Guida Brito

O pequeno almoço



     Adoro viajar; principalmente para sítios onde os sons audíveis não se simplificam e não se traduzem no interior da minha caixa craniana. Um misto de gestos, francês, inglês, alentejano e o talvez exista são suficientes para obter o que não quero. Distar da normalidade de procedimentos ainda é o melhor anti-stress que conheço. Antes do café da manhã, não se faz o que quer que seja- uma aprendizagem que embora consolidada decidi contrariar. Pois...


     Atraída pelo pão de sementes da mesa ao lado, lá estiquei o dedinho- indicando a igualdade de quereres ao dos ocupantes da mesa vizinha. Fotografo a beleza do pedido enlevada pelas cores e  ocupação do espaço. Estranhei a chegada, imediata, dos pombos mas nada me fazia prever o que se seguia à primeira dentada (a falta que um café faz).

     Bebo o primeiro gole do néctar matinal, o olhar sorri e, de forma voraz, arrisco a primeira trincadela. Ai! Minha Santa Barbatana. O visualizado não teve tempo de ser interpretado por um cérebro adaptado ao não os percebo. Aquele sabor a palha indicou que tinha feito mer... ao pedir o não sei. Nem mais, soltaram-se as gargalhadas: larvas, melgas e mosquitos; bichos e bicharoco (esquecendo o grande e gordo gafanhoto): faziam parte do petisco.


     Não adianta reclamar: comê-los é moda e todos pedem aquela mistela em forma do é melhor não comer.


     Meus amigos, quando a fome aperta tudo nos sabe bem. A pior porcaria parece sempre uma ótima iguaria.
      São servidos?


Sorrisos
Guida Brito

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

In Amesterdão

      
     Recantos de uma cidade que não dorme e madruga adormecida. Um reflexo abaixo do nível do mar. Cidade de gentes que pedalam no infinito de um horizonte esquecido. 
Sorrisos
Guida Brito

terça-feira, 3 de outubro de 2017

É hoje: estou na Rádio Renascença

Eu sei que a hora é muito tardia; os pirralhitos estão na cama mas os progenitores podem ouvir: hoje, entre a meia noite e a uma da manhã, na Rádio Renascença.
Recebi um convite para falar sobre autoestima. À primeira vista, como quem diz, ao ouvi-lo pela primeira vez, parece um enorme palavrão. E talvez seja: é uma palavra tão grande; parece que o mundo cabe lá dentro. Como é que eu vos explico isto? Ai, ai! Estou meio atrapalhada (vocês já me conhecem). Vamos lá! Eu vou fazer uma tentativa.
Falar sobre a Vossa autoestima é falar sobre o dia em que conseguiram utilizar os dons que têm escondidos dentro de vós. É aceitar que todos erramos até encontrarmos o saber. É acreditar; é gostar de quem somos. É não desistir: é saber que dentro de nós existe tudo o que precisamos para conseguirmos o que nos faz sorrir. É imaginar sabendo que um dia o sonho é a realidade do nosso caminho. 
Também é desvalorizar o que não nos pertence; despir o que não é nosso; separar o lixo  do luxo: é atitude.
Autoestima é o vosso sorriso feliz quando a minha cara sorridente, em tom de brincadeira, diz: "Shiiii! Que coisinha horrível!"  Vocês pulam de contentes e sabem que chegaram lá: ao momento em que retiraram, de dentro, as porções certas, na quantidade adequada, e obtiveram a sabedoria. É a coragem usar o que é nosso.
Autoestima é o momento em que somos tão bonitos que já nem nos lembramos o quão difícil foi ultrapassar as barreiras do caminho. Autoestima é o “ser capaz  de fazer” fazer parte de nós. É uma conquista: uma batalha  de sentimentos vencida.  Autoestima é a alegria do saber.

(Por isso eu sou tão chata: eu sei que consigo fazer-vos sorrir. Retiro as minhas poções mágicas e uso-as de forma a que as vossas brilhem sem medos nem vergonhas).