segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A cal, o café, o jantar e a batata frita


Existia um junto ao fogo da cozinha. Lembro, com saudade, as rotinas de outros tempos. Na casa da minha avó materna, o madrugar recolhia as cinzas da noite. 



As brasas vivas aguardavam na velha pá enquanto o pincel, elaborado pelas mãos meu avô, mergulhava várias vezes no balde e, suavemente, percorria as paredes da cozinha - todas as manhãs, se pintavam as paredes da cozinha. 

De brasa ao centro, as farripas de esteva faziam pegar fogo a três madeiros: um maior (duraria todo o dia) e dois menores e mais estreitos. 



Na velha escolateira ou na panela de barro, aquecia a água para o café da manhã (uma mistura de puro com cevada). 

Ao lado, a panela de ferro, gorda e preta, iniciava o aquecimento das águas para lavar a loiça ou para o banho de domingo. Se o dia fosse de geada: um velho púcaro transportava, com estremo cuidado, o quebra gelos da pele facial. 


A azáfama não ficava por aqui: grãos ou feijão, um pouco da carne que se retirava da salga, um fio de azeite e um bom pedaço de toucinho mergulhavam na água de outra panela de barro -  era o início do jantar que se comia ao almoço. Do café da manhã, restavam as côdeas; num gesto já inato, guardavam-se, religiosamente, na gaveta da mesa da cozinha - eram para a menina.

Em casa da minha avó paterna, o ritual do madrugar trazia consigo adaptações às vivências da casa: já nesse tempo, cada um tinha o seu horário. 


Ao fogo, podíamos, sempre, encontrar cinco panelas de barro: uma para o avô; outra para as mulheres da casa; outra para o Eduardo e para o João; outra para o Arnaldo; outra para o Mário. Ainda havia, por lá, a do café e a pequena panela de ferro.


Quando a menina abria a porta de casa, arredava-se a tacharia e colocava-se, no centro, a trempe, a qual segurava uma sertã com azeite a aquecer. A velha faca, gasta pelo uso, descascava uma grande batata e, bem cortadinha, aos cubos, fritava-se o petisco da netinha.

 A Equipa dos Navegantes de Ideias agradece o carinho dos nossos leitores; cada dia mais surpresos face a um número  que já nem sabemos ler (Shiiiii! Santa Barbatana). Muito obrigada.

 Sugestões de leitura: 

https://navegantes-de-ideias.blogspot.pt/2017/08/do-cabo-sardao-ponta-das-barcas-rota.html


Sorrisos
Guida Brito

2 comentários:

  1. Excelente Guida!Lembro-me desses baldes e desses pincéis, e da azafama do jantar para o almoço.Lembro-me de eu, no dia seguinte ir à da minha prima para ver se tinha sobrado açorda que ela guardava sempre num tacho junto à lareira. Se eu gostava de ir comer a açorda de um dia para o outro. ainda hoje gosto de açorda aquecida!

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    1. Muito obrigada, Glória. são histórias vivas na memória de quem vive o Alentejo.

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