Nenhuma das minhas fotos consegue demonstrar as gigantescas
dimensões do incêndio que, hoje, deflagrou em Sines. Incêndios de grandes
dimensões, nos quais há muitas vítimas mortais, são já usuais por terras de
Portugal. Parece que nos habituámos a números grandes e convivemos de forma
pacata como se fossem cousa pouca; perdoamos, de forma amistosa, erros
tão gravosos aceitando cordialmente a sua continuidade.
Refiladela aqui ou
acolá: zangamos-nos com o vizinho que dista da nossa opinião mas continuamos
alapados no lugar do não faço nada; omitimos gestos que em tanto fariam a
diferença.
Hoje, um incêndio, de grandes proporções, deflagrou numa
empresa de pneus; ao lado de um complexo petroquímico; junto a uma escola; numa
cidade com subterrâneos; onde há "milhentas" canalizações de tudo o que arde bem e monstruosos depósitos cheios de gás. Contrariamente
ao que poderíamos pensar: a estrada não foi cortada; a cidade não foi alertada para as atitudes a
adotar; e muito menos ocorreu uma evacuação. Duas atitudes nos chegaram: em
hora tardia foi dito não sei a quem (habito aqui e nada me chegou) que as pessoas
com problemas respiratórios deviam ficar em casa (sim, nas nossas casas não
entra gás); e os jovens foram enviados, pontualmente para a escola. Falamos de
jovens transportados pelas entidades públicas: pontualmente, à hora x, estavam
no centro do incêndio, dos gazes e do negrume. E lá ficaram durante umas horas.
O incêndio continua ativo e a população sujeita aos
perigosos gazes; nada de anormal se passa em Sines: as televisões abriram os
jornais com as acusações de corrupção de José Sócrates (acho que foi político e
nunca percebi se era engenheiro; sei que assinava como se fosse).
Estamos neste ponto: enviamos jovens para incêndios; enviamos
crianças para escolas inauguradas sem estar concluídas para ganhar eleições ( ignorando a
perigosidade dos milhares de objetos por ali deixados e outros que nem me
apetece lembrar); admitimos obras em convivência com crianças de tenra idade; admitimos que se tapem buracos mesmo que fiquem ocos; escolhemos políticos acusados de corrupção… admitimos tudo infelizes, apenas, com o desempenho do trabalho do vizinho.
Os enfermeiros queixam-se e
não lhes damos razão. Ou seja; os enfermeiros dizem que não conseguem tratar da
nossa saúde com as condições de trabalho presentes: nós (que não percebemos
nada de saúde) obrigamos-los a continuar e entregamos, nas suas mãos, as nossas
vidas e a dos nossos filhos. Os professores do primeiro ciclo dizem que ocupam
a maioria do seu tempo em atividades que nada têm que ver com a transmissão de
saberes; confessam o seu esgotamento por excesso de trabalho: nós (que não
percebemos nada de educação) obrigamos-los a continuar; damos razão às medidas que os professores dizem que violam a qualidade de vida dos nossos filhos. Os mineiros…. nós pimba. Os médicos… nós pimba. Pimbamos tudo;
achamos certo tudo o que minimiza as condições humanas de trabalho.
Tudo o que é visto de longe é pequenino. Até o incêndio.
Controlamos
tudo para que sejam infelizes: gente infeliz é a gente que melhor trabalha. E
depois entregamos-lhe os filhos, as vidas, a justiça e queremos…. Não sei o
quê.
Caramba! Viramos-nos contra os que trabalham e achamos que
sabemos tudo: educação, saúde, justiça…. Não há ranking que não seja nosso:
somos o povo mais culto do planeta. Percebemos mais da profissão do vizinho que
da nossa. Deve ser por isso que muitos controlam: a hora de entrada do
professor, do enfermeiro, da repartição de finanças, do médico, do vizinho na
casa do lado, quanto ganha, se tem alguma regalia... Devem ser por isso que muitos gritam com esta gente que só quer ter
condições para realizar o seu trabalho de forma competente. Grita-se em forma
de superioridade com os que, no momento, estão em desigualdade ou
inferioridade; grita-se na morosidade da fila a incompetência da funcionária e não a escravatura a que é sujeita pelo patrão. Não exigimos saúde, educação, justiça ou qualidade de vida: aniquilamos
profissionais isolados. Aniquilam-se os que trabalham; admitimos a corupção e a existência de medidas que nos retiram os poucos sorrisos que a vida oferece. Os profissionais estão
cansados de vos dizer que as condições a que os obrigam não são permissivas de
realizar mais ou melhor. Estão cansados de vos dizer que não aguentam e que a
sua produtividade diminuirá com a continuidade do presente.
Oh! Santa Barbatana! Eu (que sou pequenina e muito) penso
que era hora de acabar com políticos com suspeição de corrupção e mais umas
coisas. Era hora de proteger os trabalhadores e acabar com os idiotas que, sem
estudar, têm tantas competências em áreas tão vastas que nunca exerceram.
Se eu deixar de controlar o vizinho e exigir, do meu país, medidas que me protegem: provavelmente, é isso que terei. Se eu continuar a
controlar o vizinho: provavelmente, irei ser despedida porque me atrasei dez
minutos, no trabalho, no dia em que o meu filho chorou.
O incêndio de Sines, não fez milhares de vítimas porque o
vento levou a fagulha para o lado contrário. Nós fizemos tudo para que assim
não fosse: até lá colocámos os jovens para arder tudo de uma vez.
Os animais fogem e nós enviamos os filhos.
Só penso: não quero passar o Natal com o Senhor Presidente
da República; quero o meu filho a meu lado.
Hoje,
não sorrio.
Guida
Brito