sexta-feira, 7 de julho de 2017

O lixo - quero desaprender-me


O lixo é um amontoado de tretas que nos enfiaram no cérebro e nos afasta dos afetos. O lixo só existe porque nascemos vazios: deixámos que os outros arrumassem ali a tralha que não precisavam.

Não percebo muito bem a vida; nem o seu fundamento.  Sei que nascemos ao contrário e completamente virados do avesso. Ao invés de nascer de cabeça e vazios de saber: devíamos ter nascido de pé no chão e plenos de saber. Um Eu caminhante com identidade própria. Trazíamos um arsenal de saber nosso e que podíamos selecionar- apagar os ficheiros indesejados.

 Isso impossibilitaria qualquer um de nos enfiar meia dúzia de antitudos pela cachimónia adentro. É que chegamos a determinada época da vida em que estamos de cabeça tão cheia que questionamos: para que quero eu saber isto? E isso? E aquilo? E desaprender é um bico de obra! Depois de isto  estar cheio os gestos ficam teimosos- fazem o que lhes apetece sem comando nem ordem. Tão excessivamente teimosos que apetece parar e não fazer rigorosamente nada: a ver se isto passa e sentimos uma lufada de ar fresco.
Ao longo da vida, enchem-nos a cabeça com minhocas, minhoquinhas - uma entulhada de lixo sem tamanho. De saber dos outros. Enchem-nos de inibidores de sorrisos, entre rotinas carregadas do não devo. Quero lá saber destas tretas! Quero cuspir caroços; saltitar de nuvem em nuvem sob a luz das estrelas; quero sorrir ao vento; quero voar: sonho com uma boleia nas asas de uma gaivota que me transporá para lá do horizonte. Quero sentir-me livre - sem o peso da consciência entupida com o que os outros acharam que eu devia pensar ou fazer. Quero emagrecer dos excessos que depositaram em mim e sentir-me leve de saber. Sinto-me tão cheia que quase não caibo dentro de mim. Pensem comigo: para que quero eu saber passar a ferro (desculpem a asneira)? E lavar a loiça? E limpar a casa? E ir às finanças? E à câmara? E pagar o IRS, o IVA ou outros? E pagar a água, a casa, a luz, o telefone e o passe do moço? E? E...?
        Que fundamento têm as horas, os meses, os anos, as estações? Não basta sorrir com a surpresa de um campo florido ou com o crepitar do lume aceso? Não deviam ser os passarinhos a acordar-me?
          Para que quero eu saber o que devo ou não devo? Para que quero eu saber que os Vossos narizes se torcem e as Vossas línguas começam no corte quando eu cuspo caroços ou sento o rabo no chão para matar a fome? Às vezes, parece que estão a tomar conta de mim e não vivem vida própria.
E os afetos? Já pensaram? Funcionam de forma contrária: nascemos plenos e morremos sós. A maioria parte: uns em busca do não sei o quê; outros porque fizemos isto ou aquilo; outros porque não temos o xpto do carro, da casa e do sei lá que mais.. por milhentos motivos tornamo-nos escassos do que deveríamos encher-nos. Às vezes, queremos um abraço e não há. Verdade?
          Quero tanto desaprender-me e virar-me do avesso. Um dia libertar-me-ei do lixo que depositaram em mim. De cabeça vazia, correrei ao vento empeçonhando uns caracóis que são só meus.
           Hoje (cá está o tempo que não deveria ter aprendido), não deixo só sorrisos: seguem meia dúzia de abraços- afagos sentidos.
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Sorrisos, abraços e beijinhos.

Guida Brito

2 comentários:

  1. também penso assim,se as pessoas pensarem bem vão ver que não devem ser umas bonequinhas de corda,porque tudo e todos nós somos uma rotina todos vivem para uma casa,um carro,um trabalho uma família etc etc etc e isto é 90% da população,somos ensinados desde o berço o que devemos fazer para seguir as ditas leis da civilização dita normal,ainda bem que eu não sou um desses ditos normais e gosto de ver alguém cuspir caroços e sorrir com tal mestria hehehehehe

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    1. Looolll Obrigada, Theghost. Podemos e devemos não transmitir aos nossos este lixo que não queremos- :)

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