Se já vos falei do pequeno almoço, havia pão o que o enriqueceu em muito, passo para o almoço deixando a informação: esgotaram-se os iogurtes e o doce. O que não constitui um problema uma vez que temos leite, cereais e ainda resta manteiga.
A minha forma de estar já atraiu alguns curiosos e um grupo observou-me de longe; provavelmente a comentar os meus trezentos cêntimos diários. Almoçar ao ar livre aproveitando jardins e lagos é um hábito comum nos países nórdicos: são muitos os fatos e gravatas ou os sapatos de salto alto descalços, na relva, que apresentam recipientes de plástico com comida, nas mãos- almoçam. Entre nós, almoçar nestes locais é chamariz do olhar, dos sorrisos dúbios e da conversa trocista: fazê-lo requer uma enorme independência de ser e um alhear do que nos rodeia. Não faze-lo diminui em muito a nossa qualidade de vida e a quantidade versus qualidade de sorrisos. Abordarei o tema mais tarde, o que interessa aqui é realizar as contas diárias e contar os episódios divertidos que vivenciei.
É evidente que almoçamos o restante da noite anterior. Faço sempre o suficiente para duas refeições- a azáfama de quem trabalha não permite outra forma de responder às nossas necessidades alimentares. Na hora H, constatei incrédula que o caricato ocorrera: os talheres haviam ficado retidos na gaveta da cozinha; caramba! A ideia não era um regresso aos tempos pré-históricos! A fome aperta e o que não tem solução solucionado está. Sim. Sim e sim. Exato. Não é muito agradável mas é suficiente para meia dúzia de gargalhadas: recipiente plástico, restos (embora muito bons e saudáveis) e comer à mão sentada na relva de um canto quase selvagem. E sem sapatos. Ai, ai! Santa Barbatana!Tenho que regressar à conversa com os meus caracóis: estão sempre tão desalinhados. Não é propriamente com isto que sonhamos desde pequenos. A aldeia educa-nos de forma errada: a felicidade amplia na simplicidade dos momentos.
Um delicioso almoço: descobri que a meu lado uma pata chocava os ovos; salvei-a de um grupo de gansos que decidiu atacá-la; umas fotos e um um regresso sorridente ao trabalho (adoro o meu trabalho).
E no final da tarde... imaginem o que fiz? Nem mais: umas comprinhas- momento de prazer, vício das mulheres, segundo alguns idio... nem me atrevo a escrever a palavrinha. Hoje, estive completamente errada: acho que a minha preguiça custou-me meia dúzia de grãos e o pão que necessito diariamente. Tenho farinha mas podia poupá-la. Optei por ir a um só supermercado; o que encareceu em muito os cogumelos e os pêssegos. O frango em promoção atraiu-me os passos. Pensei fazer frango recheado e não havendo restos monetários que permitissem um olhar a uma linguiça que teimava em brilhar: optei por seis cogumelos. Demasiado caros mas importantes no sabor. Uma corridinha para a fruta, rezando a existência de um fundo monetário permissivo, e para um encontro cruel com promoções- a exigir um dispêndio superior ao pretendido. Embora com saldo positivo em caixa, o mesmo encontra-se retido no mealheiro e faz parte das regras não o utilizar. Começaram as tropelias. A exigência do cumprimento de gastos levou-me n vezes à pesagem- só possível neste supermercado. Saber as quantidades que compramos é imperativo na diminuição de gastos. Escolhi duas nectarinas e na balança descobri que não estavam em promoção. As ditas tinham sido colocadas estrategicamente junto ao pêssegos; estando ambos juntos e separados das outras frutas sugerem um preço não real ao distraído consumidor. Virei-me para os pêssegos e iniciei os saltaricos da fruta para a balança: passa um cêntimo; posso gastar mais dez; passam dois... Lá acertei com o peso e conferi que dois cêntimos voariam para o mealheiro. Feliz comecei a registar as compras. Preço final :4. 37 €. Opssss! Conferi tudinho e eu estava certa. Chamei a funcionária que me alertou para a necessidade de premir a tecla pagamento. Fi-lo e opsssssss: 3.17€. Fiz as minhas contas, de novo, e... 2.98€. Chamei de novo a prestável senhora que me disse que as contas estavam certas e que o desconto estava feito. Referi que não e provei que por gramas e preços havia engano. Muito tempo depois, a senhora conseguiu perceber que os descontos se referiam ao frango e que eu estava a pagar o pêssego a preço da não promoção. Estavam em promoção mas o sistema não tinha sido alterado. Assim, lamento mas todos os que pensaram ter comprado esta frutinha a um preço muito convidativo enganaram-se: a promoção era mais cara que em qualquer outro supermercado e o sistema cobrou-lhos ao preço da não promoção. A partir daqui instalou-se o caos: eu queria pagar menos 0.19 cêntimos. E os outros clientes a ver -loollll. Parece que é mais fácil enganar o cliente do que refazer o sistema; ninguém acha justificável tanto trabalho por causa de uns cêntimos. Foi necessário um tempo sem fim e três profissionais para solucionar a minha pretensão. Sorri, cruzei os braços e esperei com paciência. Esperei, esperei e finalmente tudo estava solucionado. Vou realizar o pagamento e.... looolll.... os mesmos 3.17€. Voltei a chamar a senhora. Por favor... shiiiiiii... ai, ai. Lá recomeçou o sansonete do sistemazinho. Bem tarde, consegui: paguei 2.98€ e dois cêntimos apaixonaram-se pelo mealheiro- um amor daqueles que gruda e não deslarga. Enfim.... nem comento mais. Apenas refiro que estas grandes superfícies estudam-nos ao mais ínfimo pormenor: conhecem-nos melhor que nós e usam-no para ampliar os ganhos. A nossa desatenção e o cansaço de um trabalho cada vez mais absorvente - que nos ocupa a tempo inteiro; este regresso ao início da era industrial- levam à reformulação das divisões sociais: se antes existiam nobres, burgueses e povo, agora existem Senhores (ordenam, legislam e enriquecem) e os Trabalhadores (nem precisamos defini-los, o nome diz tudo). Detesto política. Saindo.
Faz-se tarde, vamos ao jantar.
Jantar: o moço jantou com colegas, eu comi torradas, chá e cereais. Vou fazer frango recheado- amanhã temos duas refeições prontas.
Fiz doce com um pêssego. Delicioso. E o cheirinho que evadiu a cozinha? Hummm...
Havia farinha: saiu um pão. Desta vez aproveitei o calor do forno (o frango estava a assar) e a massa levedou no ponto. Belo pão.
Frango recheado: refoguei uma cebola; salteei os miúdos nos refogado (a frase não me soa bem); acrescentei os cogumelos; meio caldo de carne seguiu-se;um espigo de alho e cebolinho picado finalizaram o sabor. Aguinha, arroz e tacho ao lume. Com manteiga, alho, louro e especiarias barrei o frango que recheei com o arroz. Uma batatas e o aroma chama o apetite.
Lembram-se do garfito que faltou ao almoço? O maroto encontrava-se escondido, certamente envergonhado, num cantinho do saco.
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Sorrisos
Guida Brito