Existem os programas, as metas, as
competências essenciais e as orientações para exame disponibilizadas pelo
Ministério da Educação. Há quem diga que é tudo o mesmo. Então, se é tudo o
mesmo qual a finalidade da sua existência?
Ok. Não interessa: existe,
existe. Passemos à frente.
Vou lecionar ao 4º ano, o que
preciso fazer antes dos meus pirralhitos entrarem em modos saltitantes e sorridentes
pela porta da sala? Adivinhem?
As planificações (planificar é
colocar o programa nas grelhas – digam lá o que disserem) de português, de
matemática, de estudo do meio, de oferta complementar, de apoio ao estudo, de
expressões, da educação física, de dança, de patinagem, de música… e do ai caramba que a minha memória já tem muitas
mais que as cinquenta primaveras. Então, se já existem porque tenho que as fazer?
Ok. Não interessa. Tenho que
fazer faço. Passemos à frente.
Lembram-se das competências
essenciais? Eu também já me tinha esquecido, reli o texto.
Pronto: lá vêm mais umas grelhas
e o escreve escreve. Arrumadinhas e escritas em tons do já não posso com esta #$%&&&&,
saem as de português, as de matemática, as
de estudo do meio, as de oferta complementar, as de apoio ao estudo, as de
expressões, as da educação física, as da
dança, as de patinagem, as de música… e do ai caramba que me doem as costas. Então,
se já existem porque tenho que as fazer? Certo. Faço.
Trabalho prontinho? Não.
Pego nas planificações e nas competências
essenciais (de português, de matemática, de estudo do meio, de oferta
complementar, de apoio ao estudo, de expressões, de educação física, de dança, de patinagem, de música… do
reticências, ponto e vírgula) e coloco em cada um dos itens (são centenas e
centenas) o ai caramba que me dói o olhar.
O que é o ai caramba que dói o
olhar? – Perguntam vocês.
Em cada um destes itens (centenas)
coloco várias destas palavras: Conhecedor
/ Sabedor / Culto / Informado; Criativo; Crítico / Analítico; Leitor; Indagador
/ Investigador Respeitador da diferença/do outro; Sistematizador / organizador;
Questionador; Comunicador; Auto avaliador; Participativo / colaborador; Responsável/autónomo;
Cuidador de si e do outro.
E depois
aquilo não bate nada certo: quando a gente pensa que deviam saber, têm que
cuidar de si e do colega do lado; se é para investigar, avaliam-se de pernas
para o ar… vi lá de tudo menos o fazedor e o já sou capaz.
Para o que é que
servem? Sei lá, já nem tenho pensar.
Achais vós que está prontinho…
mentira. As letrinhas? Não. Não são
essas, as que vós pensais são as que os meninos deviam saber e não interessam
nada.
A cada um dos itens das competências essenciais, das planificações e das
palavras correspondem várias letrinhas: A - Linguagens e textos; B -
Informação e comunicação; C - Raciocínio e resolução de problemas; D -
Pensamento crítico e pensamento criativo; E - Relacionamento interpessoal; F -
Desenvolvimento pessoal e autonomia; G - Bem-estar, saúde e ambiente; H -
Sensibilidade estética e artística… Saber científico… técnico … tecnológico…
Chega? Não. "Atão" e o significado do não satisfaz, satisfaz, bom, muito bom e ai que não que não posso de português, de matemática, de estudo do meio, de oferta complementar, de apoio ao estudo, de expressões, da educação física, da dança, da patinagem, da música… e do ai caramba?
Mais umas grelhas, mais umas viagens e a Guida amarela.
Estás tudo feito? Não. Desculpem, eu já não sei se participo, se questiono, se comunico, se informo, se raciocino… uma coisa eu sei: já não tenho bem-estar, saúde ou ambiente, sou verde com vontade de ser cor-de-rosa.
Não consigo cuidar de mim nem da outra desgraçada que, a meu lado, vai gritanto, enchendo-me os ouvidos e os pensamentos com palavras menos sãs: escreve A; escreve B, escreve criativo, escreve H, escreve conhecerdor; escreve… ai, ai, Santa Barbatana.
Verdes, amarelas, carecas e por vezes desbotadas vamos pensando na #”%&$ em que transformaram o professor e na #$%& mor virá quando tiver que aplicar cada A, cada raciocínio, cada B, cada criativo… cada raio que os parta a cada um dos nossos meninos.
Nós, professores, assistimos de forma preocupante à substituição das tarefas que deviam ser inerentes ao ser professor: o conhecer a criança; o responsabilizá-lo, o atuar nas suas lacunas, o desenvolver a sua autonomia, o esclarecer dúvidas, o incentivá-lo, ensiná-lo, o ver as suas produções… Avalia, avalia, avalia, avalia… papéis, papéis, papéis, papéis… exames, exames, exames, ex… Um ensino sem Futuro. É para fazer? Eu faço.
Ai que vontade de ir para a Austrália, como no ano passado. O ano passado também não fui e ando nisto há tantos anos.
Sem sorrisos
Guida Brito