Há
alguns bons anos e, mais ou menos por acaso tive a sorte e o privilégio (com
alguns dos meus melhores amigos) de tropeçar num dos mais belos lugares do
país. A Lagoa de Sto. André. Contrariando o ditado “não voltes onde foste
feliz” foi precisamente aqui, onde uma das maiores lagoas nacionais se junta
uma vez por ano (aquando da abertura da Lagoa ao mar) ao infinito manto
atlântico, que me sentei à conversa com Bruno Ferreira – um alentejano com
muita pinta.
O
Bruno http://brunoferreiraonline.com/
imitador de vozes, actor, locutor e executante de pelo menos mais quatro
instrumentos chegou à hora marcada, avançando desde logo “olha que eu sou mais
Baixo Alentejo”. Sem luzes, sem camaras e sem vozes de acção, a conversa
começou. Lá mais em baixo a incessante partida e chegada das ondas foi compondo
a banda sonora- excelente, diga-se!
- Já te aconteceu
ires ao médico e a primeira coisa que dizes é: doutor oiço vozes?
O
problema seria deixar de as ouvir! (risos) Na realidade já fui várias vezes ao
médico por causa das vozes, mas nunca por me queixar de as ouvir. Por norma tem
a ver com não as conseguir reproduzir (a essas vozes, e à minha, inclusive),
esse é o meu drama. Rouquidão, afonia, tosse, e coisas do género. Por isso
mesmo estou muito bem escudado. Tenho o meu exército de otorrinos composto pelo
Prof. Mário Andreia, e pela Dr.ª Clara Capucho. São os dois melhores do País e,
por isso, tenho passado bem. Eu e as minhas vozes.
- O humor em Portugal
está de boa saúde e recomenda-se? E o Alentejo – nomeadamente o Baixo?
Relativamente
ao humor, parece-me que sim. Basta ver a proliferação de humoristas que têm
despontado nos últimos anos em Portugal. O estranho seria, aliás, que num País
com uma tão elevada taxa de políticos a que chamaria de “humoristas
acidentais”, não se produzisse humor com base, justamente nesse facto. Os
canais generalistas dão, quase todos, atenção ao humor; os canais não
generalistas igualmente, e na internet, então nem se fala, já para não referir
as salas de espectáculo onde cada vez mais existem shows de comédia com lotação
esgotada.
Juntar
o Baixo Alentejo à pergunta sobre o humor só pode tratar-se de uma questão de
humor negro. Aquilo a que se chama actualmente um “roast”, que é um evento de
comédia muito específico, onde um indivíduo, neste caso uma região, é alvo
de piadas
e insultos, produzindo,
através disso, humor. Em bom rigor aquilo que se passa no Baixo Alentejo, em
termos de políticas nacionais, no limite, far-nos-á rir. Para não termos de
chorar. Uma região, que corresponde grosso modo ao Distrito de Beja, e que
exporta 1.4 mil milhões de euros todos os anos, contribuindo para a alavancagem
económica Nacional de que o Governo tanto se gaba tem vindo a ser,
propositadamente, colocada à margem do desenvolvimento do restante País.
É
uma terra de gente maioritariamente idosa, sofrida, isolada, com carências de
assistência médica e de segurança e, a isto, o Estado, e os governos, têm
respondido com silêncio. Um silêncio ensurdecedor a todos os níveis, como se
esta gente não pagasse impostos como os restantes portugueses; como se não
produzissem a bem da economia Nacional; como se, em resumo, não fossem cidadãos
portugueses de pleno direito. É um crime de lesa-pátria o que tem sido feito
com o Baixo Alentejo por parte dos últimos Governos da Nação; é uma segregação
a que se assiste mês após mês, de há décadas a esta parte.
- Queres dizer-me o
que é o movimento #bejamerece+?
O
Movimento de Cidadãos Beja Merece Mais é, como o nome indica, uma forma de
manifestação democrática, apartidária, mas que conta com o apoio de todos os
partidos, e que tem na sua essência uma emanação da sociedade; das suas forças
vivas, dos habitantes de uma região que se cansaram de uma classe política que
lhes voltou costas e que, assim, resolveram lutar pelo que deveriam ter por
direito próprio, mas que lhes é privado por parte de quem tem a
responsabilidade de lhes garantir essa condição: de cidadãos.
O
Movimento original, Beja Merece, surgiu em 2011 e tinha como objectivo a luta
pela manutenção e melhoria da ligação de caminho-de-ferro
Beja-Lisboa-Beja-Funcheira. Em resumo, não só que essas ligações se
mantivessem, bem como a linha fosse electrificada e o material circulante fosse
renovado. Já nesses anos houve uma petição que chegou à Assembleia da
República. Infelizmente nada aconteceu e a linha continua decrépita com uma automotora
a gasóleo dos anos 50 do século passado que, quando não se avaria, se atrasa.
Anos
depois o Movimento Beja Merece voltou com um Mais e dedicou-se a mais causas:
continuou a questão da electrificação da linha de caminho-de-ferro;
acrescentaram-se os acessos rodoviários – Beja está ligada a Lisboa por um
velho e perigoso caminho disfarçado absurda e pomposamente de IP (8), quando
não reúne nenhuma das características para que seja considerado um Itinerário
Principal. Acresce a isto que existem cerca de 15 quilómetros de auto-estrada
(A26, que deveria ligar Sines a Beja, cruzando com a A2 em Grândola) terminados
há 2 anos, mas que teimam em não abrir ao público, estando a degradar-se ao
lado do tal caminho venho e esburacado onde têm de circular ambulâncias por
entre tráfego normal, que tenta debelar filas de pesados, carroças, motos,
máquinas agrícolas o que acaba por provocar inúmeros acidentes com a sempre
trágica perda de vidas.
Mas
o BMM também exige que o Aeroporto de Beja seja utilizado. Justificadamente.
Não falamos apenas de passageiros, (quando Lisboa e Faro – logo o País –
perdem, diariamente e em conjunto, dezenas de voos por falta de capacidade,
sendo que Beja, a meia distância de ambos, poderia ser um aeroporto de
retaguarda), mas de matérias-primas: não só o escoamento para a Europa dos
produtos provenientes da fortíssima agro-indústria do Baixo Alentejo, mas como
plataforma de ligação ao Porto de Sines, o maior de águas profundas da Europa.
E também por isso são precisos os acessos rodo e ferroviários de que o Baixo Alentejo não dispõe e tanto precisa, e que nenhum governo
- seja de direita ou de esquerda – ousou, sequer, autorizar.
Junta-se
a saúde e o Hospital e Beja cada vez mais depauperado. O Ministério da Saúde
está, agora, a querer cortar o cordão umbilical; a identidade das futuras
gerações de Baixo Alentejanos, proibindo os nascimentos em Beja e obrigando as
grávidas a viagens de 80, 100, 150 quilómetros, pelos seus próprios meios, até
ao hospital de Évora, para aí darem à luz. Isto serve para esvaziar Beja (e
Portalegre) e assim justificar um investimento de 300 milhões num chamado
hospital central do Alentejo em Évora – redundante - porque a pouca distância
dos hospitais centrais de Lisboa. É a estocada final no Baixo Alentejo. E é
contra tudo isto que luta o BMM. Em maio do 2018 foi entregue uma segunda
Petição na AR, desta vez com 26.101 assinaturas. Já fomos ouvidos por uma
Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas; reunimo-nos com todos os grupos
parlamentares, e no dia 5 de julho teremos a discussão e votação dos pedidos da
Petição do Movimento BMM. A ver vamos.
- O número de rolas e
cegonhas no aeroporto de Beja continua a ser superior ao de aviões?
Talvez
esteja equiparado ao número de aviões, uma vez que o Aeroporto de Beja é a
“casa” da Hyfly, uma empresa de renting aeronáutico, e que decidiu (apenas por
ser privado…) investir no Aeroporto de Beja. É lá, aliás, que está estacionado
o maior avião do mundo, o Airbus A380, apenas e só porque não consegue aterrar
em mais nenhum aeroporto de Portugal Continental. Também foi o Aeroporto de
Beja que, em 2018, permitiu que o avião da companhia aérea cazaque Air
Astana aterrasse em segurança, quer para a tripulação, quer para a
população no solo, depois de horas de expectativa e incerteza.
É
pena que o Aeroporto de Beja seja tratado como uma anedota pelo País. Porque
está lá o dinheiro do País que, esse sim, foi tratado como uma anedota. Não porque
não devesse ter sido investido no aeroporto de Beja; mas porque tendo aí sido investido,
o mesmo precisa, agora, dos tão desejados acessos rodo e ferroviários.
Para
terminar, e respondendo directamente à questão: muitos mais pássaros e
passarões, terá o Aeroporto do Montijo, do que todos os aviões que obriguem a
voar para lá. Trata-se de uma região lacustre, um estuário, uma reserva natural
que serve de ponto de passagem a centenas de milhares de aves migratórias –
muitas delas de grande porte, outras ainda espécies protegidas - em trânsito do
norte de África para a Europa, e vice-versa, sendo que muitas são espécies que
nidificam no local e que representarão enorme perigo para as turbinas dos
aviões que o Governo, à força e por teimosia, quererá a voar para lá.
- A tua passagem no
Diário do Alentejo deu-te tarimba para as tuas escritas?
Sempre
escrevi. Já quase não me recordo de mim não escrevendo. Comecei ainda em miúdo,
em concursos como os do Clube Amigos Disney e outros, onde ganhava bastantes
prémios, depois nos concursos do DN Jovem, do Diário de Notícias, até que há
uns 20 anos lancei o meu primeiro livro, de contos, “Bocas de Mentol”, pela
Editorial Minerva. Depois escrevi para várias publicações, como a Revista
Vidas, a Mais Alentejo, o Diário do Alentejo, entre várias colaborações
esporádicas a convite de outras publicações. O DA foi onde escrevi durante mais
tempo. Foram quase 9 anos. O meu primeiro livro de crónicas, “A Vida é um
Cogumelo Verde”, da Editores do Rio, foi quase todo ele composto por esses
textos. Estou a preparar outro para o fim deste ano que, em breve, darei a
conhecer.
- Para além de
escreveres – e muito bem -, fazes imitações e dobragens. O que é que para ti é
mais difícil; dobrar ou imitar?
Quer
um trabalho, quer outro, faço-os com o maior dos gostos. Ainda ontem estive a
dobrar o próximo filme Angry Birds 2, onde continuo a interpretar o Chuck, o
pássaro amarelo. Foram 5 horas de estúdio muito bem passadas, com muitas
gargalhadas à mistura (e mais de 3 litros de água bebida!), porque felizmente
tenho essa enorme sorte de adorar aquilo que faço. Por outro lado, as imitações
são outra área de que gosto muito. O último trabalho que fiz foi o vídeo
promocional para a Netflix, onde imitei a voz do Presidente Marcelo Rebelo de
Sousa. Da mesma forma que as locuções de publicidade me dão muito gozo. O meu
último trabalho foi para a campanha dos 50 anos do Jumbo, onde interpreto uma
voz de locutor antigo, a “puxar” ao Fernando Pessa. Resumindo, sou um
felizardo. Nunca me queixo da segunda-feira.
- À
nossa! Tchim tcim e obrigado por teres vindo – e por me teres contado tanto. Já
estou a fazer like na tua página do Facebook.
Boa
(sorrisos): obrigado!
AJ