terça-feira, 2 de julho de 2019

Bruno Ferreira (Levanta-te e ri) sentado à conversa com António Jorge, na Lagoa de Santo André



Há alguns bons anos e, mais ou menos por acaso tive a sorte e o privilégio (com alguns dos meus melhores amigos) de tropeçar num dos mais belos lugares do país. A Lagoa de Sto. André. Contrariando o ditado “não voltes onde foste feliz” foi precisamente aqui, onde uma das maiores lagoas nacionais se junta uma vez por ano (aquando da abertura da Lagoa ao mar) ao infinito manto atlântico, que me sentei à conversa com Bruno Ferreira – um alentejano com muita pinta.

O Bruno http://brunoferreiraonline.com/ imitador de vozes, actor, locutor e executante de pelo menos mais quatro instrumentos chegou à hora marcada, avançando desde logo “olha que eu sou mais Baixo Alentejo”. Sem luzes, sem camaras e sem vozes de acção, a conversa começou. Lá mais em baixo a incessante partida e chegada das ondas foi compondo a banda sonora- excelente, diga-se!   


   
- Já te aconteceu ires ao médico e a primeira coisa que dizes é: doutor oiço vozes?

O problema seria deixar de as ouvir! (risos) Na realidade já fui várias vezes ao médico por causa das vozes, mas nunca por me queixar de as ouvir. Por norma tem a ver com não as conseguir reproduzir (a essas vozes, e à minha, inclusive), esse é o meu drama. Rouquidão, afonia, tosse, e coisas do género. Por isso mesmo estou muito bem escudado. Tenho o meu exército de otorrinos composto pelo Prof. Mário Andreia, e pela Dr.ª Clara Capucho. São os dois melhores do País e, por isso, tenho passado bem. Eu e as minhas vozes.



Sentado à conversa com António Jorge - Navegantes de Ideias


- O humor em Portugal está de boa saúde e recomenda-se? E o Alentejo – nomeadamente o Baixo?


Relativamente ao humor, parece-me que sim. Basta ver a proliferação de humoristas que têm despontado nos últimos anos em Portugal. O estranho seria, aliás, que num País com uma tão elevada taxa de políticos a que chamaria de “humoristas acidentais”, não se produzisse humor com base, justamente nesse facto. Os canais generalistas dão, quase todos, atenção ao humor; os canais não generalistas igualmente, e na internet, então nem se fala, já para não referir as salas de espectáculo onde cada vez mais existem shows de comédia com lotação esgotada.

Juntar o Baixo Alentejo à pergunta sobre o humor só pode tratar-se de uma questão de humor negro. Aquilo a que se chama actualmente um “roast”, que é um evento de comédia muito específico, onde um indivíduo, neste caso uma região, é alvo de piadasinsultos, produzindo, através disso, humor. Em bom rigor aquilo que se passa no Baixo Alentejo, em termos de políticas nacionais, no limite, far-nos-á rir. Para não termos de chorar. Uma região, que corresponde grosso modo ao Distrito de Beja, e que exporta 1.4 mil milhões de euros todos os anos, contribuindo para a alavancagem económica Nacional de que o Governo tanto se gaba tem vindo a ser, propositadamente, colocada à margem do desenvolvimento do restante País.

É uma terra de gente maioritariamente idosa, sofrida, isolada, com carências de assistência médica e de segurança e, a isto, o Estado, e os governos, têm respondido com silêncio. Um silêncio ensurdecedor a todos os níveis, como se esta gente não pagasse impostos como os restantes portugueses; como se não produzissem a bem da economia Nacional; como se, em resumo, não fossem cidadãos portugueses de pleno direito. É um crime de lesa-pátria o que tem sido feito com o Baixo Alentejo por parte dos últimos Governos da Nação; é uma segregação a que se assiste mês após mês, de há décadas a esta parte.

- Queres dizer-me o que é o movimento #bejamerece+?

O Movimento de Cidadãos Beja Merece Mais é, como o nome indica, uma forma de manifestação democrática, apartidária, mas que conta com o apoio de todos os partidos, e que tem na sua essência uma emanação da sociedade; das suas forças vivas, dos habitantes de uma região que se cansaram de uma classe política que lhes voltou costas e que, assim, resolveram lutar pelo que deveriam ter por direito próprio, mas que lhes é privado por parte de quem tem a responsabilidade de lhes garantir essa condição: de cidadãos.

O Movimento original, Beja Merece, surgiu em 2011 e tinha como objectivo a luta pela manutenção e melhoria da ligação de caminho-de-ferro Beja-Lisboa-Beja-Funcheira. Em resumo, não só que essas ligações se mantivessem, bem como a linha fosse electrificada e o material circulante fosse renovado. Já nesses anos houve uma petição que chegou à Assembleia da República. Infelizmente nada aconteceu e a linha continua decrépita com uma automotora a gasóleo dos anos 50 do século passado que, quando não se avaria, se atrasa.


Sentado à conversa com António Jorge - Navegantes de Ideias

Anos depois o Movimento Beja Merece voltou com um Mais e dedicou-se a mais causas: continuou a questão da electrificação da linha de caminho-de-ferro; acrescentaram-se os acessos rodoviários – Beja está ligada a Lisboa por um velho e perigoso caminho disfarçado absurda e pomposamente de IP (8), quando não reúne nenhuma das características para que seja considerado um Itinerário Principal. Acresce a isto que existem cerca de 15 quilómetros de auto-estrada (A26, que deveria ligar Sines a Beja, cruzando com a A2 em Grândola) terminados há 2 anos, mas que teimam em não abrir ao público, estando a degradar-se ao lado do tal caminho venho e esburacado onde têm de circular ambulâncias por entre tráfego normal, que tenta debelar filas de pesados, carroças, motos, máquinas agrícolas o que acaba por provocar inúmeros acidentes com a sempre trágica perda de vidas.

Mas o BMM também exige que o Aeroporto de Beja seja utilizado. Justificadamente. Não falamos apenas de passageiros, (quando Lisboa e Faro – logo o País – perdem, diariamente e em conjunto, dezenas de voos por falta de capacidade, sendo que Beja, a meia distância de ambos, poderia ser um aeroporto de retaguarda), mas de matérias-primas: não só o escoamento para a Europa dos produtos provenientes da fortíssima agro-indústria do Baixo Alentejo, mas como plataforma de ligação ao Porto de Sines, o maior de águas profundas da Europa. E também por isso são precisos os acessos rodo e ferroviários de que o Baixo Alentejo não dispõe e tanto precisa, e que nenhum governo - seja de direita ou de esquerda – ousou, sequer, autorizar.



Junta-se a saúde e o Hospital e Beja cada vez mais depauperado. O Ministério da Saúde está, agora, a querer cortar o cordão umbilical; a identidade das futuras gerações de Baixo Alentejanos, proibindo os nascimentos em Beja e obrigando as grávidas a viagens de 80, 100, 150 quilómetros, pelos seus próprios meios, até ao hospital de Évora, para aí darem à luz. Isto serve para esvaziar Beja (e Portalegre) e assim justificar um investimento de 300 milhões num chamado hospital central do Alentejo em Évora – redundante - porque a pouca distância dos hospitais centrais de Lisboa. É a estocada final no Baixo Alentejo. E é contra tudo isto que luta o BMM. Em maio do 2018 foi entregue uma segunda Petição na AR, desta vez com 26.101 assinaturas. Já fomos ouvidos por uma Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas; reunimo-nos com todos os grupos parlamentares, e no dia 5 de julho teremos a discussão e votação dos pedidos da Petição do Movimento BMM. A ver vamos.

- O número de rolas e cegonhas no aeroporto de Beja continua a ser superior ao de aviões?

Talvez esteja equiparado ao número de aviões, uma vez que o Aeroporto de Beja é a “casa” da Hyfly, uma empresa de renting aeronáutico, e que decidiu (apenas por ser privado…) investir no Aeroporto de Beja. É lá, aliás, que está estacionado o maior avião do mundo, o Airbus A380, apenas e só porque não consegue aterrar em mais nenhum aeroporto de Portugal Continental. Também foi o Aeroporto de Beja que, em 2018, permitiu que o avião da companhia aérea cazaque Air Astana aterrasse em segurança, quer para a tripulação, quer para a população no solo, depois de horas de expectativa e incerteza.

É pena que o Aeroporto de Beja seja tratado como uma anedota pelo País. Porque está lá o dinheiro do País que, esse sim, foi tratado como uma anedota. Não porque não devesse ter sido investido no aeroporto de Beja; mas porque tendo aí sido investido, o mesmo precisa, agora, dos tão desejados acessos rodo e ferroviários.



Para terminar, e respondendo directamente à questão: muitos mais pássaros e passarões, terá o Aeroporto do Montijo, do que todos os aviões que obriguem a voar para lá. Trata-se de uma região lacustre, um estuário, uma reserva natural que serve de ponto de passagem a centenas de milhares de aves migratórias – muitas delas de grande porte, outras ainda espécies protegidas - em trânsito do norte de África para a Europa, e vice-versa, sendo que muitas são espécies que nidificam no local e que representarão enorme perigo para as turbinas dos aviões que o Governo, à força e por teimosia, quererá a voar para lá.

- A tua passagem no Diário do Alentejo deu-te tarimba para as tuas escritas?

Sempre escrevi. Já quase não me recordo de mim não escrevendo. Comecei ainda em miúdo, em concursos como os do Clube Amigos Disney e outros, onde ganhava bastantes prémios, depois nos concursos do DN Jovem, do Diário de Notícias, até que há uns 20 anos lancei o meu primeiro livro, de contos, “Bocas de Mentol”, pela Editorial Minerva. Depois escrevi para várias publicações, como a Revista Vidas, a Mais Alentejo, o Diário do Alentejo, entre várias colaborações esporádicas a convite de outras publicações. O DA foi onde escrevi durante mais tempo. Foram quase 9 anos. O meu primeiro livro de crónicas, “A Vida é um Cogumelo Verde”, da Editores do Rio, foi quase todo ele composto por esses textos. Estou a preparar outro para o fim deste ano que, em breve, darei a conhecer.


Sentado à conversa com António Jorge - Navegantes de Ideias


- Para além de escreveres – e muito bem -, fazes imitações e dobragens. O que é que para ti é mais difícil; dobrar ou imitar?

Quer um trabalho, quer outro, faço-os com o maior dos gostos. Ainda ontem estive a dobrar o próximo filme Angry Birds 2, onde continuo a interpretar o Chuck, o pássaro amarelo. Foram 5 horas de estúdio muito bem passadas, com muitas gargalhadas à mistura (e mais de 3 litros de água bebida!), porque felizmente tenho essa enorme sorte de adorar aquilo que faço. Por outro lado, as imitações são outra área de que gosto muito. O último trabalho que fiz foi o vídeo promocional para a Netflix, onde imitei a voz do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Da mesma forma que as locuções de publicidade me dão muito gozo. O meu último trabalho foi para a campanha dos 50 anos do Jumbo, onde interpreto uma voz de locutor antigo, a “puxar” ao Fernando Pessa. Resumindo, sou um felizardo. Nunca me queixo da segunda-feira.

 - À nossa! Tchim tcim e obrigado por teres vindo – e por me teres contado tanto. Já estou a fazer like na tua página do Facebook.
Boa (sorrisos): obrigado!

AJ




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