No passado, antes de 1970, havia pessoas
que assim era chamadas: Malteses, calcorreadores, vagabundos, andarilhos,
andarengos, caminheiros, zangarilhos.
Não sei se alguém consegue explicar a
razão mas foi o primeiro nome, maltês, que pegou para o Povo se referir a eles.
Também não haverá explicação consistente porque em Portugal há muitas famílias,
até importantes, com o apelido Maltês.
Afinal quem eram?
Sempre homem, a pé ou "a cavalo"
numa muar ou burro, que se deslocavam em modo infinito de uma aldeia para
outra, barbudos. Sempre circulando. Alimentavam-se do que encontravam no campo:
frutas nas árvores, melões e melancias e até cenouras. Alguns transportavam
consigo um tacho ou uma panela presa à roupa com um atilho. Em cada Aldeia, ao
anoitecer, dormiam numa casa em ruína ou abandonada ou num telheiro. Parece que
a solidão lhes era prazenteira. A sua vida no Inverno era atroz, dolorosa.
Seria penitência de algum pecado ou desgosto provocado?
Pediam dinheiro às pessoas que raramente
davam porque eram pobres. Quando muito uma côdea de pão e umas azeitonas
curtidas. Ficavam no máximo dois ou três dias em cada povoação. Não eram
criminosos, muito longe disso, nada mesmo. Quando chegavam a uma aldeia as
pessoas podiam ter medo deles porque vestiam roupas velhas e sujas, até rotas.
As crianças, sempre atrevidas, de longe atiravam-lhes pedras e fugiam em grande
gritaria.
Espantosamente tinham uma função social
importante naqueles tempos. Ouviam as estórias, casos, acidentes e mortes
violentas de uma aldeia e iam espalhando essas notícias pelas aldeias que
visitavam a seguir.
Hoje praticamente extinguiram-se. Se os
há, modernizaram-se e mexem-se daqui para ali mais comodamente.
Há e sempre houve malteses.
Quem os não viu, quem os não vê?
Manuel da Fonseca, o imortal Escritor
Alentejano falecido em 1993 dedicou-lhes um lindo Poema no seu livro Panícies
de 1941:
MALTÊS
o rosto apenas virado,
que só vi em meu redor
dez pobres ajoelhados
perante mim, seu senhor.
III
Gente chegou às janelas,
saíram homens à rua:
– as mães
chamaram os filhos,
bateram portas fechadas!
E eu, o desconhecido,
o vagabundo rasgado,
entrei o largo da vila
entre dez guardas armados;
– mais temido e mais amado
que o deus a que todos rezam.
– Que nunca mulher alguma
se rendeu mais a um homem
que a moça do rosto claro
ao cruzar os olhos pretos
com o meu olhar de rei!
IV
…E vendo que eu lhes fugia
assim de altiva maneira
à sua lei decorada,
lá,
longe do sol e da vida,
no fundo duma cadeia,
cheios de raiva me bateram.
Inanimado,
tombei por fim a um canto.
E enquanto eles redobravam
sobre o meu corpo tombado,
adormecido
eu descansava
de tão longa caminhada!…
José Jorge Cameira
Beja, Agosto 2019
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