domingo, 21 de julho de 2019

Uma ida para o Alentejo - estórias que marcam (parte I)


Recuperemos a nossa terra! - José Jorge Cameira - Navegantes de Ideias

Beja, 18 de Abril de 1970
Este o dia que cheguei pela primeira vez a Beja, portanto já fez 49 anos.
Vim revoltado. Desanimado e desacorçoado.



Como Militar recente que era,embora Miliciano não profissional, tinha acabado a Especialidade em Lamego e estava anotado que desejava ser colocado em 1º Lugar no Quartel de Infantaria de Castelo Branco. Ou pelo menos em Penamacor na Companhia Disciplinar, só a 17 kms da minha Aldeia, o Vale da Senhora da Póvoa.
Recebo em casa a Guia de Marcha pelo correio e estava lá bem claro:
 - Deve apresentar-se em 12 de Abril deste ano 1970 no RI3 em Beja.



Um choque para mim e dos grandes!
Mas não me apresentei. E logo no dia dos meus anos, nem pensar, estão doidos ou que?!
Fui para Castelo Branco. No Regimento da Cidade disse ao Comandante:
--Meu Coronel, quero ficar aqui no seu Regimento. Tenho amigos na cidade, estive a estudar 2 anos no ISA, a minha namorada Alexandra mora na cidade  e é perto da minha aldeia, a minha casa da família.
Não podia ser, tinha de ir para Beja, disse-me o Senhor Coronel.
--Olhe que terá problemas maus se não se apresentar, com a Tropa não se brinca, bem sabe, e estamos em Guerra...
Tinha apenas a ideia que Beja era longe. Para além, muito para lá, um deserto. Vir de fim de semana a casa era impossível pela distância. Então decido:
--Não vou para Beja. Fico na Aldeia. Que se lixe a tropa!



O meu Avô que foi militar em Timor e Moçambique avisou-me dos perigos de não ir. Conselhos de uns e de outros, ameaças disto e daquilo, lá me convenceram então a ir para a lonjura do Alentejo com fama de muito calor. Pensei com os meus botões:
--Mal chegue a esse tal RI3 meto logo o pedido de transferência para Castelo Branco ou para Penamacor.
Assim me resolvi a abalar, mais confortado com esta ilusão.
Mas havia um problema. Tinha de me apresentar no dia 12 em Beja e já era dia 18 e estava numa boa na aldeia.
Podia ser preso mal chegasse, seria considerado desertor, apesar de ter umas lindas divisas douradas de Aspirante nos ombros e uma boa nota no final de Curso.
Vou à Senhora dos correios da aldeia e digo-lhe:
--Senhora Saudade ponha-me aqui o carimbo do dia 17 no envelope para não ser preso.
Assim fez, mudando os números no carimbo.
Após não sei quantas mudanças de comboios, pranto-me em Beja no RI3, ainda por cima um quartel no campo e fora da cidade.
Vou apresentar-me ao Comandante do Quartel, o Coronel Henrique Callapez Martins. Que me diz de imediato:
--Nesta Guia diz que tinha de se apresentar aqui no Regimento no dia 12 e hoje é dia 20. Portanto está preso por deserção!
Quase borrado de medo, estendo-lhe tremendo o envelope que ele olha atentamente a data da carimbandela, analisa-a contra o Sol e responde-me com ar de coronel:
--Perante este carimbo, já não fica preso, está justificado o seu atraso.



--Este País no interior ainda está muito atrasado. Os dias que esta Guia levou a chegar até si, valha-me deus !
-- Ah...estou a ver aqui sua nota de Curso, muito boa...por isso vai comandar a 2ª Companhia que não tem Capitão.
Acho que nesse momento caguei-me mesmo nas calças!
--Meu Coronel, quero pedir transferência para Castelo Branco ou Penamacor!
--Sentidooo !! Eu dei-lhe autorização para falar?

(Fim da 1ªparte)

José Jorge Cameira
27 Junho 2019
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1 comentário:

  1. "Um choque para mim e dos grandes!
    Mas não me apresentei. E logo no dia dos meus anos, nem pensar, estão doidos ou que?!" - José Jorge Cameira

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