domingo, 28 de julho de 2019

A Minha Vida Militar em Beja - Os Recrutas Caboverdianos no RI3 (1972)

Recuperemos a nossa terra!

Naquele tempo mandava no Rectângulo o Sr Marcelo Caetano, outro seguidor salazarento em modo soft.
Decorriam as 3 Guerras em África e o que decidiu este  governante?




Para manter o espírito colonial que existia ordenou que viessem de Cabo Verde cerca de 100 jovens caboverdianos fazer a recrutar à Metrópole, isto é, à Mãe-Pátria. Para onde iriam fazer essa recruta? Tinha de ser para um quartel com clima quente semelhante ao de Cabo Verde. Assim prantaram-se no RI3 em Beja os tais 100 jovens caboverdianos.

Era vê-los na cidade, todos morenos, vestidos com a farda nº 3. Mas coitados sem um tostão nos bolsos para comprar qualquer coisa nem mesmo para um copo de vinho. A instrução no quartel durante o dia para eles era fácil, o pior era a seguir ao toque de ordem. A maior parte ficava na caserna (com beliches) da 3' Companhia, só conversando, cantar nada pois não tinham violas.



 
Comer cachupa, ou beber vinho fermentado de ananás, nada. Falavam crioulo, uma salganhada com algum português misturado. E era só PAIGC para aqui e pr'ali. Com o decorrer dos dias a "sodade" aumentava, longe da família, alguns já casados e com filhos. Começaram as desobediências, até agressões contra os Instrutores, fossem sargentos ou oficiais. Faltas de respeito eram permanentes a ponto de ninguém poder entrar nas instalações da 3' Companhia. Foi então que eu entrei nesta cena. 

O Capitão Rosa (falecido em Angola em condições algo estranhas) chamou-me e disse-me: você já esteve em África, é assim moreno como eles, vá tomar conta deles, veja se consegue acalmar aquela gente! E lá fui estar com eles, nem sabendo bem o que fazer. Tinha mãos livres para fazer o que quisesse desde que eles se acalmassem.



Lá na camarata comecei a jogar às cartas com eles, a sueca, etc. Arranjei uma viola que estava abandonada na Messe dos Oficiais. Levei linguiças e pão do armazém do quartel, os galões davam-me força para levar à vontade. É óbvio que também me diverti com esta situação pois comi petiscos deles, ouvi as mornas e as coladeras que não conhecia. A coisa acalmou e o 2' Comandante Palma Ferro mandou-me regressar à minha Companhia original, a nr 2.

Mas voltaram as revoltas do recrutas caboverdianos! Era a mim que eles queriam, mais ninguém. Os Comandantes do RI3 que não queriam ouvir falar em revoltas mandaram-me ter com eles outra vez. Chegou o fim da instrução da recruta e o pior veio a seguir para aqueles jovens. Cada um teve de ir para a uma Especialidade noutro quartel do País e a seguir mobilizados para a guerra para as diversas províncias ultramarinas mas nunca para Cabo Verde, onde não havia guerra.



Alguns talvez até todos foram mobilizados para uma das três frentes. Comecei então a receber aerogramas de muitos deles escrevendo sobre detalhes das suas amarguras.
Uma estória verdadeira que aconteceu mesmo às portas de Beja!

José Jorge Cameira.
Beja, 17 de Junho 2019


Clique para ler os outros episódios:
Uma ida para o Alentejo - estórias que marcam (parte I)

Uma ida para o Alentejo - estórias que marcam (parte II)

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A minha Escola Primária (1955/1958)

As filosofias Nazis e outras de Extrema Direita avançam por toda a Europa


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